segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

BEM DE FAMILIA - PENHORA


Vistos etc.

A. S., já qualificado, inconformado com a penhora efetivada às fls. 244/246, interpôs incidente de impugnação, nos autos da ação de reconhecimento e dissolução de união estável que move contra si M. M., com fulcro nos artigos 475-L e seguintes do CPC, em razão dos seguintes fatos:

Relata o autor que a penhora efetuada é incorreta, uma vez que recaiu sobre bem de família, cuja impenhorabilidade é protegida por lei. Afirma que o bem penhorado é seu único imóvel e que neste reside com sua atual família, razão pela qual afirma ser inviável a expropriação deste bem.

Alega que teria comprado o imóvel em apreço há 10 anos atrás, após o fim da união estável com a exequente e que, não teria utilizado “[...] a renda proveniente da venda do imóvel no qual residiram“, mas sim recursos próprios, advindos de seu FGTS, mais um motivo pelo qual estaria o imóvel excluído da possibilidade de penhora.

Fundamenta seu argumento com os dispositivos da Lei 8.009/90, requerendo, por fim, a procedência do pedido, com a consequente extinção da execução.

Juntou os documentos de fls. 261/266.

Despacho que concedeu efeito suspensivo à impugnação às fls. 268. Manifestação da exequente às fls. 271/272.

Parecer ministerial ás fls. 276/277.

É o relatório.

Com fundamento no princípio do sincretismo processual, trazido pela Lei n. 11.232/2005 - segundo o qual não há mais separação entre cognição e execução - foi criada a impugnação, espécie de defesa incidental do executado e consequência lógica da referida reforma, eis que, diferentemente dos embargos, é interposta sem a necessidade do ajuizamento de ação autônoma.

Assim, passou o executado a contar com a celeridade imposta pelo novo procedimento, no qual, porém, a atividade jurisdicional fica restrita apenas à verificação da existência e validade dos requisitos da execução, face à imutabilidade da coisa julgada (art. 474 CPC)[1], operada na fase cognitiva.

No caso em espécie, observou-se que a impugnação foi ajuizada no prazo legal (fl. 253) e teve por base o inciso III do artigo 475 – L do CPC[2], justificada com o argumento de ser impenhorável o imóvel constrito, por ser bem de família, protegido que está pela Lei 8.009/90.

Com efeito, penhora incorreta ou irregular é aquela levada a efeito em afronta a disposição legal, quer no aspecto material, quer no aspecto formal, nela incluída, a priori, o bem de família. Assim, preenchidos os requisitos previstos em lei para caracterização do bem de família, não poderia haver expropriação, nos termos do artigo 475-L, III do CPC.

Ocorre que o caso em análise não está coadunado ao preceito em referência. Senão vejamos:

O imóvel do executado foi penhorado para garantir o cumprimento de sentença que o condenou a reembolsar a ex-companheira a metade da quantia auferida pela venda do único imóvel que possuíam à época e que era destinado à residência de família.

Há de se ressaltar então - antes da análise quanto a subsunção ao precedentes de bem de família - que se trata de prestação imposta por sentença, consubstanciada em direito obrigacional, ou seja, tinha o executado a obrigação de dar (quantia certa) à exequente.

Assim, a princípio, pouco importa que o requerido tenha comprado o imóvel atual com o dinheiro adquirido com a venda do antigo bem ou com seu FGTS, como alegado pelo devedor, uma vez que o suficiente ao adimplemento da obrigação é o cumprimento da prestação, seja o dinheiro proveniente de onde for.

Portanto, não há nestes autos, qualquer discussão acerca da existência ou não de sub-rogação do antigo bem pelo atual - com a consequente exclusão do bem da partilha em virtude da utilização de verba própria de FGTS – o que se tem, na verdade, é a execução de uma obrigação de dar dinheiro, de modo que se o executado adimplisse com sua obrigação imposta em 08/11/2006, de reembolsar a exequente “[...] no valor da metade da quantia apurada na venda do imóvel em questão“, não teria seu bem penhorado.

Vê-se então que, a despeito de ser legítimo o direito do executado de opor resistência ao modo e aos limites da execução - através da impugnação - esta não está embasada no princípio da boa-fé, uma vez que o executado pretende, através de uma possibilidade legal, favorecer-se com a própria torpeza, o que é inadmissível em nosso ordenamento.

Ora, para que o imóvel considerado bem de família seja isento de execução e, consequentemente impenhorável, as dívidas do executado devem ser necessariamente posteriores à aquisição do bem ou à sua instituição como bem de família.

Não pode o executado, já sabendo-se devedor, alegar a impenhorabilidade de um bem adquirido posteriormente à inadimplência, de modo que o bem de família responde pelas dívidas quando em prejuizo de débito anterior.

De fato, o instituto, quer em sua forma voluntária (arts 1.711 e seguintes do CC), quer em sua forma legal (Lei n. 8.009/90) tem por finalidade a proteção da família em relação aos riscos econômicos de negócios que possam prejudicar o bem-estar familiar, mas não pode ser utilizado como forma de ocultar ou justificar fraudes. Nestes casos, não há convalidação do vício e a garantia é inaplicável.

Esse também é o entendimento majoritário da doutrina pátria. Senão veja-se:

[...] Há de se afirmar que a impenhorabilidade é relativa [...] só exime o bem da execução por dívidas subsequentes à constituição do bem de família, não podendo ser utilizado o instituto de proteção desta como um vínculo defraudatório [...][3]

[...] O bem de família é impenhorável, sendo excluídos da execução por dívidas posteriores à sua instituição [...][4].

[...] O bem de família foi concebido e é disposto em lei com o objetivo preciso de proteger a família contra penhora que recaia sobre o bem imóvel onde residem, em razão de dívida contraída por qualquer de seus membros, desde que seja o proprietário. Supõe a boa fé do devedor, ou seja, que não se tenha valido da proteção legal, para fraudar credores[5].


Por outro lado, a presente ação pretende justamente garantir a preservação dos direitos consituticionais inerentes à união estável do impugnante com a impugnada, esta muito anterior à presente entidade familiar, da qual o executado pretende amparo e, na qual também resultou em filhos.

Assim, se o executado tivesse procedido à justa partilha dos valores decorrentes da venda do imóvel residencial, adquirido juntamente com a impugnada, à época vivendo sob o pálio da união estável, portanto sua família, sem dispor dos referidos valores para adquirir bens outros, com certeza, todos atualmente estariam resguardados e, por via de consequência, a presente ação careceria de objeto.

Isto posto, de acordo com o parecer ministerial, julgo improcedente a impugnação interposta por A. S., contra a penhora efetuada às fls. 244/246 nos autos que promove contra si Márcia M. M., para determinar o prosseguimento da execução, deferindo, via de conseqüência, o pedido de adjudicação (fls. 240) do bem penhorado, nos moldes do artigo 685-A e seguintes do CPC e o faço com fulcro na Lei n. 8.009/90, artigos 1.723 e seguintes do Código Civil e nos demais princípios constitucionais que tutelam a boa-fé e a entidade familiar da união estável.

Lavre-se o auto de adjudicação e a respectiva carta.

Publique-se. Intimem-se. São Luís, 30 de outubro de 2008.

José de Ribamar Castro
Juiz de Direito
1ª Vara da Família

[1] Art. 474. Passada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido.
[2] Art. 475-L. A impugnação somente poderá versar sobre:
[...]
III – penhora incorreta ou avaliação errônea;

[3] Gonçalves, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva. p. 515.
[4] Gagliano, Pablo Stolze. Novo curso de Direito Civil. Parte Geral. São Paulo: Saraiva. p. 279.
[5] Lobo, Paulo. Famílias. São Paulo: Saraiva. p. 376.

EMBARGOS DE TERCEIRO - MEAÇÃO

Processo n.º 0000/2008
Embargante: M. A.
Embargada: S.S.
Embargos de Terceiro

Vistos etc.

M. A., já qualificada, inconformada com a penhora efetivada às fls. 176/177 (autos de n. 17024/2006), interpôs embargos de terceiro, contra S. S. representada por S. D. devidamente qualificadas nos autos, em razão dos seguintes fatos:

Relata a requerente, em síntese, que os bens penhorados nos autos da ação de execução provisória que a embargada move contra seu marido, também lhes pertencem, uma vez que casada sob o regime de comunhão universal de bens, razão pela qual devem ser totalmente excluídos da penhora.

Afirma que não pode ter seus bens expropriados em decorrência da inadimplência exclusiva do marido, com a qual não participou e não obteve nenhum proveito, não tendo sido contraída em benefício da sociedade conjugal.

Coleciona inúmeros julgados e justifica seu pedido com fundamento no artigo 1.046 do Código de Processo Civil. Pugna, assim, pela procedência do pedido, com a conseqüente exclusão dos imóveis da expropriação nos mencionados autos.

Juntou os documentos de fls. 17/38. Contestação às fls. 52/54.
Às fls. 66 e 101 dos autos, foi indeferido o pedido de suspensão do feito principal, uma vez que apesar da propriedade em comum, a metade dos bens ou seu valor correspondente seriam reservados por ocasião da hasta pública, o que não prejudicaria o direito da embargante.

Inconformada, a embargada interpôs agravo de instrumento, como se vê pela cópia juntada às fls. 77/100.

Com vista dos autos, a representante do Ministério Público, opinou pela procedência parcial do pedido, conforme parecer de fls. 107.

É o relatório. Decido.

Almeja a requerente ver seu bens excluídos da penhora efetuada contra seu cônjuge, em virtude de condenação decorrente dos autos da ação de investigação de paternidade c/c alimentos (n. 3362/2000), na qual figura como investigante a embargada.

Com efeito, a existência dos embargos de terceiro se deve exclusivamente ao fato de que os efeitos do processo não devem, via de regra, atingir esfera jurídica de terceiros.

Reconhece-se, assim, por via inversa, que pode ocorrer (e às vezes com freqüência), a prática de ato judicial de apreensão de bens que atinja bem pertencente a quem não é parte do processo, caso em que deve ser eliminado da constrição, por ofensa ao princípio do devido processo legal[1].

Freitas Câmara, citando Theodoro Júnior[2], é enfático ao ensinar que:
[...] ultrapassando o limite da responsabilidade executiva do devedor (art. 591), e sendo atingidos bens de quem não é sujeito do processo, comete o poder jurisdicional, esbulho judicial que, evidentemente, não haverá de prevalecer em detrimento de quem se viu, ilegitimamente, prejudicado pela execução forçada movida contra outrem.

Ocorre que, no presente caso, é notório que a embargante não detém total razão. Depreende-se dos autos que esta tem direito tão somente à metade dos bens elencados e não à sua totalidade, preceito lógico do regime de comunhão universal de bens, do qual a sociedade conjugal faz parte.
Nesse regime, não há bens particulares ou futuros, comunicando-se todos os bens do casal, salvo algumas exceções previstas no artigo 1.668 do Código Civil, de forma que o cônjuge se torna meeiro de todo o patrimônio que for adquirido por qualquer dos consortes e não proprietário único.

A conseqüência disso é que a requerente só pode dispor e requerer a exclusão da metade dos bens penhorados e não da sua totalidade. Não pode a autora, em prejuízo do direito da alimentanda, reivindicar parte do patrimônio que não lhe pertence e que naturalmente deve ser responsável pelo pagamento do débito.

Assim, desde que respeitada a meação da suplicante, os bens indicados podem perfeitamente ser expropriados, não havendo razão para sua exclusão da fase executiva. Esse é o entendimento de Carlos Roberto Gonçalves[3]:

[...] Decidiu o Superior Tribunal de Justiça que “os bens indivisíveis, de propriedade comum decorrente do regime de comunhão no casamento, na execução podem ser levados à hasta pública por inteiro, reservando-se á esposa a metade do preço alcançado”.

Note-se que os bens indicados correspondem a 02 (duas) salas no edifício Palmares e mais uma garagem, o que traz a possibilidade de serem divididos igualitariamente, o que de fato, restou caracterizado nos presentes autos.

Deste modo, apesar de penhorados todos os três bens indicados (fls. 176/177), somente foi deferido o pedido de adjudicação em favor da alimentanda de 01 (uma) sala comercial (n. 1008), consoante se vê pelas decisões de fl. 212 (proc. 0000/2006) e de fl. 101 (proc. 15988/2008), ficando resguardada à embargante a propriedade da outra (sala n. 1004), restando pendente de deliberação apenas a situação do outro bem (garagem n. 217).

Portanto, observa-se que foram respeitados todos os direitos da embargante, durante o processo de execução, de modo que não se vislumbra qualquer prejuízo que justifique a interposição dos presentes embargos.

O que não se pode permitir é que a menor em questão, já prejudicada pelo inadimplemento da obrigação, sofra ainda mais com a suspensão do processo, cuja causa deve-se exclusivamente à inadimplência do devedor.

A obrigação de alimentos, tutelada inclusive constitucionalmente, não pode ficar condicionada às artimanhas do devedor, muito menos às formalidade legais (art. 1.052 CPC[4]), que impedem o cumprimento imediato da obrigação alimentar (de natureza imprescindível), devendo ser interpretadas em conjunto com as disposições constitucionais atinentes à dignidade da pessoa humana, à vida, aos alimentos e à proteção aos filhos.

Com efeito, a ação de alimentos busca preservar o direto à vida e não se trata apenas de interesse privado do alimentante, vez que se refere à matéria de ordem pública, razão pela qual reclama uma eficiente e célere execução.

Desse modo é que a tutela executiva, mormente no que toca aos alimentos, passou a ser considerada como direito fundamental – seguindo a tendência irreversível da constitucionalização do direito de família – havendo, por parte de seus especialistas, constante preocupação em proporcionar a imediata e integral satisfação do direito pleiteado.

Madaleno[5] destaca que:

[...] Especialmente na esfera do direito de família, mostram-se sobremaneira sensíveis as vindicações judiciais que precisam responder às angústias pessoais, tão abaladas pelo influxo do tempo. Procurando sempre conciliar a rápida prestação jurisdicional com a segurança da mais irrestrita defesa, deve o direito aperfeiçoar-se na busca do exato ponto de equilíbrio em que a celeridade processual não prejudique o fundamental direito de poder exaurir os meios de defesa previstos pela lei.

Assim, a execução de alimentos deve prosseguir em seu curso normal, sendo apenas resguardada a meação da embargante, sem qualquer prejuízo para si ou para alimentanda.

Por fim, com relação a garagem, último bem pendente de execução, há de ser observado o disposto no artigo 655–B do CPC[6], incluído pela lei 11.382/2006, devendo a meação da embargante recair sobre o produto da sua alienação.

Há de se ressaltar, porém, que como não há nos autos comprovação do trânsito em julgado da sentença de investigação de paternidade c/c alimentos, o levantamento de qualquer depósito e a prática de atos que importem alienação de propriedade ou ainda, de qualquer ato que possa resultar grave dano ao executado, dependem de caução suficiente a ser prestada pela alimentanda, sobre o saldo do valor previsto no artigo 475-O, §2º, I do CPC[7].

Diante do exposto, julgo parcialmente procedentes os embargos de terceiro opostos por M. A. contra S. S. representada por S. D., para o efeito de excluir a sala de n. 1004, localizada no 10º Pavimento do Edifício Palmares, na Av. Colares Moreira (fls. 116, proc. 0000/2006), bem como metade do valor arrecadado sobre o produto da alienação da garagem de n. 217 (fls. 117), da execução promovida naqueles autos e o faço com fulcro nos artigos 655-B e 1.046 do CPC.

Cientifique-se a exeqüente sobre a impossibilidade da prática de qualquer ato de alienação, sem a prestação da devida caução, conforme já mencionado alhures.

Sem custas.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se

São Luís, 28 de novembro de 2008.


José de Ribamar Castro
Juiz de Direito
1ª Vara de Família
[1] Constituição Federal. Art. 5º. [...].
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
[2] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Lumem Júris: Rio de Janeiro, 2007, p. 484.
[3] - Gonçalves, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Editora Saraiva: São Paulo, p. 426.
[4] Art. 1.052. Quando os embargos versarem sobre todos os bens, determinará o juiz a suspensão do curso do processo principal; versando sobre alguns deles, prosseguirá o processo principal somente quanto aos bens não embargados.
[5] MADALENO, Rolf. Direito de Família em pauta. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.

[6] Art. 655-B. Tratando-se de penhora em bem indivisível, a meação do cônjuge alheio à execução recairá sobre o produto da alienação do bem.
[7] Art. 475-O. A execução provisória da sentença far-se-á, no que couber, do mesmo modo que a definitiva, observadas as seguintes normas: [...]
III – o levantamento de depósito em dinheiro e a prática de atos que importem alienação de propriedade ou dos quais possa resultar grave dano ao executado dependem de caução suficiente e idônea, arbitrada de plano pelo juiz e prestada nos próprios autos.
[...]
§ 2o A caução a que se refere o inciso III do caput deste artigo poderá ser dispensada:
I – quando, nos casos de crédito de natureza alimentar ou decorrente de ato ilícito, até o limite de sessenta vezes o valor do salário-mínimo, o exeqüente demonstrar situação de necessidade.