Esta beleza plástica de narrativa reflete na pena e no talento da Acadêmica Graça Leite, o imaginário popular pinheirense trazendo contos e lendas de um passado distante para a vida presente, numa mistura do que foi e o que é.
Memorização esta vivida em Pinheiro quando das comemorações do terceiro aniversário da Academia Pinheirense de Letras, Artes e Ciências – APLAC, no período de 18 a 23 de novembro do ano em curso, numa proveitosa programação intelectual e cultural, materializada por oficinas de teatro, xilogravura, manipulação de bonecos e cerâmica sob a orientação da Acadêmica Joana Bitencourt.
Na outra vertente, foram proferidas palestras sobre o “Envelhecimento Populacional – assistência ao idoso”, pela Acadêmica Sandra Mendes e “Os 20 anos da Constituição de 1988”, aos encargos do Acadêmico José de Ribamar Castro. A participação da comunidade, de professor e alunos foi deveras marcante.
No seio da APLAC se configurou a posse do Dr. Genival Abrão Ferreira e do Prof. Nelson Nogueira Nunes, os novos imortais, acolhidos pelo Acadêmico Agnaldo Mota, enriquecendo sobremaneira o quadro dos seus integrantes, em solenidade presidida pelo Acadêmico Aymoré de Castro Alvim.
Ressalta-se por oportuno, a presença da imprensa pinheirense agraciada com um café da manhã, e a inauguração do memorial Des. Elizabeto Barbosa de Carvalho, fundador do Jornal Cidade de Pinheiro, nos idos de 1921, completando assim, este semanário, oitenta e oito anos de excelentes serviços prestados não só à comunidade pinheirense, como também, um relevante órgão de comunicação para o mundo globalizado.
Em que pese os anos, talvez, mesmo pela longevidade que a pós-modernidade tem oferecido às pessoas com os avanços tecnológicos e científicos, parece ao meu sentir, uma idade considerável, entretanto, não o é para um veículo de informação da qualidade e elã do “Cidade de Pinheiro”.
Ainda, em homenagem a aniversariante – APLAC -, a Acadêmica Marita Gonçalves pontilho-a com o poema de grande expressão ao evento, intitulado – Fecundação:
“A pequenina semente germinou!
Já nasceram três folhas
É primavera às folhas são chegadas
...e os frutos encherão esta Casa”.
Após a palestra sobre “Os 20 anos da Constituição”, os acadêmicos e a comunidade saíram em caminhada sob os sons afinados e harmoniosos do sax do Acadêmico e maestro Pedro Bastos, trombone, instrumentos de corda e percussão, num romantismo musical pelas ruas e monumentos históricos da cidade, e em cada um deles, uma parada estratégica e obrigatória para contos, cantos, declamações e proclamações. Foi sem dúvida uma noite diferente, marcante e cheia de emoções.
Na parada junto ao “poço do mercado”, monumento em que o tempo não sabe contar a idade, mas está tão enraizado na historiografia da gente pinheirense, que já faz parte integrante do seu cotidiano foram ali rememorados, e não poderia ser de outra forma, como é aquele poço, uma das testemunhas remanescentes de uma era em que somente os escritores e historiadores, têm a obrigação de registrar para o conhecimento de gerações futuras, as lendas da cidade.
Assim, tomaram vida na voz e na proclamação do aluno universitário do campus de Pinheiros, curso de teatro, as figuras da - mãe- d’agua, o curupira, a curaganga, a manguda, a velha feiticeira que virava porca e a carroça de ossos da meia noite, bem como as personagens enigmáticas de – Felicidade, Sostenes, Chico, Candinho-pé-de-bola, Beiço de Rosa e outros mais, retratados na composição musical do Acadêmico Batista Pessoa.
Diz a Acadêmica Graça Leite:
“O passado sentou-se à beira do poço do Mercado e espiou para dentro. Viu o seu rosto envelhecido refletido no espelho das águas, fechou os olhos e sonhou...
Na nebulosidade do seu sonho, logo apareceu uma dezena de escravos cavando a terra, fazendo aquele buraco, em busca de água fresca e pura que lhe desalterassem a sede.
Suor e lágrimas escorriam pelos corpos seminus dos negros.
Talvez, quem sabe? Aquela pocinha d’agua, lá no fundo, que nunca seca, seja o acumulo daquelas gotas de sofrimento...!
Lentamente, um vulto feminino se despreende das barreiras marrons e do fundo do poço e emerge a figura de uma mulher: era a Mãe D’agua. Bela, branca, cabelos lizos, longos e dourados. Viu-a sentar-se no bocal do poço penteando os seus longos cabelos em noite de lua cheia. Tinha uma fisionomia serena, doce, mas era assombração, e assombração era coisa do mal, tanto é que os cachorros latiam, uivavam, gemiam, corriam pra lá e pra cá no areal das ruas e nos quintais das casas, tentando fugir dos assobios e dos açoites da dona das águas.
Depois da mãe d’agua apareceu o currupira.
Veio subindo, depressa e quando pareceu na superfície mostrou logo as suas travessuras. Moleque danado de safado! Calcanhares pra frente com os dedos dos pés todos virados para trás. Deixara rastros esquisitos pelos caminhos da mata e corria no rumo das tucunzeiras, encaraptando-se lá no olhinho entre os espinhos e levando consigo as crianças desobedientes que se atreviam a sair de casa no pino do meio dia.
Em seguida apareceu de dentro do poço uma tocha de fogo e passou zunindo no rumo do campo. Era a curaganga.
Temida e respeitada por pescadores, as cabeças das velhas feiticeiras libertavam-se dos corpos e ficavam nas redes, e nas noites de sexta-feira, saiam pelos campos com a sua magia encandescente, soltando faíscas, subindo e descendo, bailando ao sopro da brisa, separando-se e unindo-se em um só foco de luz que o olhar amedrontado dos pescadores fazia crescer.
Olhem! Vejam! Lá vai a curaganga riscando o céu! Vai no rumo do oiteiro de São Carlos.
A procissão de lendárias imagens, continua no sonho do passado.
É lá que ela arranca, de dentro o poço a manguda.!
Lá vem ela surgindo das águas, aparecendo nas noites escuras, com o seu chambrão branco esvoaçando, indo em desabalada carreira pelas ruas da Vila de Pinheiro em busca de um amor proibido. Quem a avistava de longe, corria mais do que ela e, ofegante, chegava em casa, apagava a lamparina e jogava-se na rede com os cabelos todos em pé.
Mal a manguda desaparece, eis que o marulhar das águas do poço indica o aparecimento de mais uma lenda: é a velha feiticeira que virava porca.
Deitada no lamaçal “bucho de velha”, lá perto da Forgata, em frente a usina, ela roncava, grunia, sapateava e pingando lama, corria atrás dos transeuntes que se aventurassem a chegar perto do seu leito lamacento.
Até a mata do Bom Viver foi resgatada pelo sonho lendário do passado e trazida para a procissão de lembranças.
Foi visto bem ali, com o seu caminho de mata com barreiras altas, estrada funda, fechada lá em cima pelas copas das palmeiras de babaçu. Da escuridão da mata ouviam-se gritos, apareciam vultos estranhos, sumiam, tornavam a aparecer, montavam na garupa dos cavalos, emparelhavam com o galope dos cavalos, deixando as barrigas dos animais ensangüentadas pelos fustigamentos das esporas dos seus condutores. A febre nervosa, no dia seguinte, era curada por benzições e garrafadas dos pajés.
De repente, ZAZ!, surge de dentro do poço a carroça de ossos, a meia noite, atritando correntes, chacoalhando ossos de defuntos e sai pelas ruas da cidade, interrompendo o sonho dos pinheirenses que afirmam, no dia seguinte, haverem escutado o sinistro som.
A evocação destas lembranças trás o velho passado para o presente. Só então ele percebe o quando aquelas lendárias imagens estão distantes! Cento e cinqüenta e dois anos se passaram e foram guardados no fundo daquele poço! Somente ele resistiu aos impactos do mundo moderno, representando a única testemunha viva daquela época. E tudo o que restou do tempo em que o conhecimento era empírico e o povo buscava explicações para a vida simples que levava, misturando lendas, surpertições e crendices, fazendo do imaginário o código de suas leis.
És tu, oh poço do Mercado, nosso velho amigo centenário, o depositário dos nossos mais caros tesouros.
Quantos anos tens?
Ninguém sabe. Sabemos apenas que das profundezas das tuas águas turvas, nasceram as nossas origens.
Sentado no bocal do poço do mercado, o velho passado medita!
Tem consciência de que as imagens saídas dali somente virão à tona nas páginas dos livros dos estudantes ou na lembrança dos antigos pinheirenses.
Diante desta constatação, o velho passado espiou mais uma vez para dentro do poço e desta vez...chorou. Lágrimas de saudades foram saindo dos seus embaciados olhos cansados e pingando, pingando, uma e uma foram caindo dentro do poço misturando-se “lá no fundo com a novas águas que começaram a brotar da vertente do progresso.
Foi então que o milagre aconteceu:
Oh! Céus!
O passado e o presente se misturaram dentro do poço e as águas começaram a subir; foram subindo...subindo...e explodiram na superfície formando uma CASCATA DE LUZ!!!”
Pinheiro é assim, um poço de cultura, lendas, crendices, fértil de água da cepa da melhor qualidade, de gente sofrida, trabalhadora, de boa índole e amante das coisas da terra, dos campos verdejantes e alagadiços, da ceia de bagre, da piaba, da farinha biriba, do rio Pericumã e das benções protetoras do padroeiro Santo Inácio.
O "poço do Mercado" registrou sim, mais um acontecimento importante nas páginas dos seus anais, em fazer assento real e histórico do terceiro aniversáro da Academia Pinheirense de Letras, Artes e Ciências – APLAC.
Parabens a APLAC.
São Luis, 30 de novembro de 2008
José de Ribamar CASTRO
Acadêmico da APLAC
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