domingo, 14 de outubro de 2007

Código Civil: Eticidade, Sociabilidade, Operabilidade,Conceitos Legais Indeterminados e Cláusulas Gerais.

CÓDIGO CIVIL:

1- A Eticidade.
2 – A Sociabilidade
3- A Operabilidade
4 - Conceitos Legais Indeterminados
5 - Cláusulas Gerais.

É necessário observar que o Código Civil está alicerçado em princípios fundamentais como: a eticidade, a sociabilidade e a operalidade.

1 – Eticidade.

A categoria eticidade aponta para a sua origem na palavra ética. Esta foi colocada pelo legislador civil em posição considerável no atual diploma legal expressamente em vários dispositivos, orientando para uma conduta ética do sujeito que integra a relação jurídica.

Conceitos de ética:

“... Não se podem confundir ética e moral. A ética não cria a moral. A ética é a teoria ou ciência do comportamento moral dos homens na sociedade. Ou seja,a é a ciência de uma forma específica do comportamento humano. (VAZQUEZ,Adolfo Sanchez. Ética. Ed Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997. pág 12).

A ética é daquelas coisas que todo mundo sabe o que são, não são fáceis de explicar, quando alguém pergunta. Tradicionalmente ela é entendida como um estudo ou uma reflexão sobre, ciência ou filosofia, e eventualmente até teológica, sobre os costumes ou sobre as ações humanas. Mas também chamamos de ética a própria vida, quando conforma aos costumes considerados corretos.(VALLES, Álvaro. O que é Ética. 1ª ed São Paulo: Brasiliense. 1994. pág 47).

No aspecto dinâmico de sua constituição, a ética é uma luta obstinada e sem trégua contra as abstrações da conduta humana. (LEÃO, Emanuel Carneiro. Ética na Comunicação. 17).

No pensamento grego Aristóteles se referia a ética como virtude e como predicado da alma e do corpo. Na idade moderna Spinoza entendia a ética como um modo de se chegar à liberdade ou o caminho par alcançá-la.

A eticidade nos conduz para uma atenção aos valores espiritualmente elevados, portanto, é um convite para um olhar transcendente ao “eu” individual e entender a pessoa, sobretudo numa dimensão pluridimencional.

Assim, o outro, na relação jurídica não é apenas parte, devedor, credor consumidor e réu, mas um ser humano com potencialidade existencial que pensa, tem angústias, sofrimentos, alegrias, vitórias e desilusões.

Nessa linha de pensamento a eticidade encontra-se, difusa no Código e para isso, basta vê quantas vezes a palavra boa-fé é utilizada.

Exemplos:

Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.

Art. 128. Sobrevindo a condição resolutiva, extingue-se, para todos os efeitos, o direito a que ela se propõe; mas, se oposta a um negócio de execução continuada ou periódica, a sua realização, salvo disposições em contrário, não tem eficácia quanto aos atos já praticados, desde que compatíveis com a natureza da condição pendente e conforme aos ditames da boa-fé.

Art. 164. Presumem-se, porém, de boa-fé e valem os negócios ordinários indispensáveis a manutenção do estabelecimento mercantil, rural ou industrial, ou a subsistência do devedor e de sua família.

Este artigo faz parte do elenco de fraude contra credores e estando esta, presente no negócio jurídico é determinada sua anulabilidade.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé
.

Temos ai uma regra de natureza imperativa. O legislador obriga sem exceção, as partes contratante a guardar, tanto na conclusão do contrato como na sua execução, o principio da boa-fé ao lado do de proprietário.

Art. 242. Se para o melhoramento, ou aumento, empregou o devedor trabalho ou dispêndio, o caso se regulará pelas normas deste Código atinentes ás benfeitorias realizadas pelo possuidor de boa-fé ou de má-fé.

Art. 286. O credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor; a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da obrigação.

Art. 307. Só terá eficácia o pagamento que importar transmissão da propriedade, quando feito por alguém que possa alienar o objeto em que ele consistiu.

Art. 906. O devedor só poderá opor ao portador exceção fundada em direito pessoal, ou em nulidade de sua obrigação.

Esta regra tem caráter limitativo da defesa do devedor. Por isso, o devedor por atenção a eticidade, não poderá objetar qualquer exceção ao direito do credor, que não seja de natureza pessoal ou em razão da nulidade da obrigação assumida.

Assim, o perfil do atual Código Civil busca valorar a ética nos negócios jurídicos tanto de ordem bilateral como unilateral, adequando-os às reivindicações da cidadania que vem sendo objeto de tentativa de vivência no presente século, onde o respeito à dignidade humana e os valores sociais são exigência de ordem constitucional.

O Código trás ainda, regras cogentes quando as relações jurídicas de direito privado no sentido de que seja desenvolvida com rigorosa obediência a adoção de comportamentos fincados na boa-fé, na probidade, na função social do contrato, no respeito à manifestação da vontade sem vicio e na confiança inter partes.

A ausência de prática comportamental da pessoa, sem uma base ética, sem dúvida, conduz a sociedade e a humanidade a passar por fortes momentos de instabilidade.

Por outra via, as relações de direito devem ser desenvolvidas no âmbito predominante do Direito, uma vez que é inconcebível direito sem ética, direito sem conteúdo de sociabilidade, dire ito sem força de operosidade e que não pauta por um objetivo de praticidade.

A eticidade é um valor denso e profundo e evoca a ética conduzindo assim, o “eu” a respeitar o “outro”, num evidente reconhecimento da dignidade da pessoa humana.

Na linha de uma concepção personalista contemporânea, o pensador Imanuel Kant, em sua Fundamentação da Metafísica dos Costumes, trad. de Paulo Quintela. Porto: Porto. 1995.p 65,elaborou fecunda construção filosófica atribuindo ao homem uma posição original, ao afirmar:

Admitindo, porém, que haja alguma coisa cuja existência em si mesmo tenha um valor absoluto e que, como fim em si mesmo, passa a ser a base de leis determinadas, nessa coisa e só nela é que estará a base de um possível imperativo categórico, de uma lei prática.

Ora, digo eu: o homem, e, de uma maneira geral, todo ser racional, existe como um fim em si mesmo, não só como meio para uso arbitrário desta ou daquela vontade. Pelo contrário, todas as suas ações, tanto nas que se dirigem a ele mesmo como nas que se dirigem a outros seres racionais, ele tem sempre de ser considerado simultaneamente como fim.

Ainda:

No reino dos fins, tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço pode pôr-se em vez dela uma outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e portanto não permite equivalência, então ela tem dignidade. (...) constitui a condição só graças à qual qualquer coisa pode ser um fim em si mesma, não tem somente um valor relativo, isto é, um preço, mas um valor íntimo.

Portanto, qualquer iniciativa do poder público de tentar objetivar a pessoa humana ou fazê-la meio para execução dos seus programas, projetos administrativos, políticos ou econômicos encontra forte resistência de ordem ético-constitucional, que de certo modo sacralizou a pessoa focando-a como legitimadora do comportamento do processo decisório na sociedade.

2 – Sociabilidade.

O elemento básico para se entender a sociabilidade é sem dúvida a sociedade. Esta, por sua vez, é indiscutivelmente diferente dos seus indivíduos ou do somatório desses mesmos indivíduos, por ser mais dinâmica e complexa.

Portanto, se por um lado, somos indivíduos, por outra vertente, somos indivíduos que nos realizamos somente na sociedade, que passar esta a ser condição de existência.

Nesta assertiva paira um profundo desafio no sentido de priorizar as deliberações aceitáveis socialmente, sem, contudo, secundarizar as liberdades individuais.

A sociabilidade trás em si a implicação de solidariedade e isto nos exige uma atenção além do individual, sem deixar de levar em conta a proteção dos valores individuais, como essenciais aos fundamentos da democracia e do Estado Democrático de Direito.

È inquestionável o fato de que o atual Código Civil assumiu a postura de um projeto socializante e isto se faz presente na questão referente à propriedade, antes “absoluta”, trazendo o diploma legal inovação quando a sua estrutura, conforme estatui os artigos:

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou defenda.

& 1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicos e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

& 2º São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.

& 3º O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade publica ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo publico iminente.

& 4º O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse interrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável numero de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.

Art. 1.239. Aquele que não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-à a propriedade.

Segundo o escólio de Miguel Reale, in Visão Geral do Projeto do Novo Código Civil. Site Jus Naviandi, diz:

O “sentido social” é uma das características mais marcantes do projeto, em contraste com o sentido individualista que condiciona o Código Civil ainda em vigor. Seria absurdo negar aos altos emérito da obra do insigne Clóvis Beviláqua mas é preciso lembrar que ele redigiu sua proposta em fins do século passado, não sendo segredo para ninguém que o mundo nunca mudou tanto no decorrer do presente século, assolado por profundos conflitos sociais e militares.

Se não houve a vitória do socialismo, houve o triunfo da “socialidade”, fazendo prevalecer os valores coletivos sobre os individuais, sem perda, porém, do valor fundante da pessoa humana.


Finalmente, a eticidade conclama a todos no contexto social para um perfil de lealdade, da probidade e da honestidade e verifica-se por outra via, que a sociabilidade objetiva evitar que os mais favorecidos façam prevalecer os seus interesses sobre os menos favorecidos.

3 – A Operabilidade

Implica em dizer que as normas devem ter efetiva operacionalidade, ou seja, busca mostrar aos profissionais do Direito que as ocorrências tratadas por eles não devem se prender tão somente ao academicismo puramente teórico, mas saltar do texto para a vida práxis, uma vez que as leis objetivam servirem à pessoa humana e não estas às leis.

4 – Conceitos Legais Indeterminados

O atual Código Civil trouxe em seu conteúdo uma inovação de fundamental importância, que são os Conceitos Legais Indeterminados.

Em face aos avanços da ciência e da tecnologia na contemporaneidade, torna-se evidente, que a legislação acompanhe pari e passo essas transformação, sobe pena de ser tornar obsoleta e ineficaz e isto ocorre por força de uma real necessidade.

Assim, sem querer ser pretensioso, não resta dúvida em afirmar que o modelo de Código inspirado no século XIX caiu por terra, ante a nova realidade social, econômica e política do mundo pós-moderno.

Segundo José Eduardo Faria. in Direito e Economia na Democracia Brasileira. São Paulo: Malheiros. 1993. p. 139., diz:

Os conceitos jurídicos indeterminados são expressões propositamente vagas utilizadas programaticamente pelo legislador com a finalidade de propiciar o ajuste de certas normas a uma realidade cambiante ou ainda pouco conhecida: graças a esses conceitos, o interprete pode adequar a legislação às condições sócio-econômicas, políticas e culturais que envolvem o caso concreto e condicionam a aplicação da lei.

Exemplos de Conceitos Indeterminados:

- a ordem pública – art. 122 CC;
- os bons costumes – art. 122 CC;
- caso de urgência – art. 251, parág. único CC;
- perigo iminente – art.188, II CC;
- atividade de risco – 927 CC.

Na verdade não existe um conceito preciso do que seja atividade de risco, portanto, fica ao interprete a valoração segundo ao caso concreto, ou seja, na realidade vivida pelo aplicador do direito com base em sua percepção cotidiana.

5 – As Cláusulas Gerais

São conceitos vagos e abertos devendo para tanto, serem preenchidos pelo juiz na busca de solução de caso concreto.

São exemplos de Cláusulas Gerais:

- função social do contrato – art. 421 CC;
- boa-fé objetiva – art. 422 CC;
- probidade – art. 422 CC
- fixação de indenização razoável – art. 623 CC.

Assim, a conduta do juiz ante ao atual Código Civil passou a ser de protagonista da elaboração do direito e obrigação, deixando de ser apenas, um coadjuvante na criação da norma e nesse sentido, na maioria dos casos, o juiz não cria por vontade própria, mas porque é impelido para tal atitude.

Para tanto, se faz necessário e exigente na afirmação supra, a implicação ao juiz de uma enorme responsabilidade e o compromisso que lhe pesa sobre os ombros, uma vez que o encargo não é tão simples e requer coragem no enfrentamento do caso concreto, posto para decisão, devendo dessa forma, o fundamento se pautar em profundo exercício da coerência, da lógica, do raciocínio e menos de raciocínio jurídico.