segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

BEM DE FAMILIA - PENHORA


Vistos etc.

A. S., já qualificado, inconformado com a penhora efetivada às fls. 244/246, interpôs incidente de impugnação, nos autos da ação de reconhecimento e dissolução de união estável que move contra si M. M., com fulcro nos artigos 475-L e seguintes do CPC, em razão dos seguintes fatos:

Relata o autor que a penhora efetuada é incorreta, uma vez que recaiu sobre bem de família, cuja impenhorabilidade é protegida por lei. Afirma que o bem penhorado é seu único imóvel e que neste reside com sua atual família, razão pela qual afirma ser inviável a expropriação deste bem.

Alega que teria comprado o imóvel em apreço há 10 anos atrás, após o fim da união estável com a exequente e que, não teria utilizado “[...] a renda proveniente da venda do imóvel no qual residiram“, mas sim recursos próprios, advindos de seu FGTS, mais um motivo pelo qual estaria o imóvel excluído da possibilidade de penhora.

Fundamenta seu argumento com os dispositivos da Lei 8.009/90, requerendo, por fim, a procedência do pedido, com a consequente extinção da execução.

Juntou os documentos de fls. 261/266.

Despacho que concedeu efeito suspensivo à impugnação às fls. 268. Manifestação da exequente às fls. 271/272.

Parecer ministerial ás fls. 276/277.

É o relatório.

Com fundamento no princípio do sincretismo processual, trazido pela Lei n. 11.232/2005 - segundo o qual não há mais separação entre cognição e execução - foi criada a impugnação, espécie de defesa incidental do executado e consequência lógica da referida reforma, eis que, diferentemente dos embargos, é interposta sem a necessidade do ajuizamento de ação autônoma.

Assim, passou o executado a contar com a celeridade imposta pelo novo procedimento, no qual, porém, a atividade jurisdicional fica restrita apenas à verificação da existência e validade dos requisitos da execução, face à imutabilidade da coisa julgada (art. 474 CPC)[1], operada na fase cognitiva.

No caso em espécie, observou-se que a impugnação foi ajuizada no prazo legal (fl. 253) e teve por base o inciso III do artigo 475 – L do CPC[2], justificada com o argumento de ser impenhorável o imóvel constrito, por ser bem de família, protegido que está pela Lei 8.009/90.

Com efeito, penhora incorreta ou irregular é aquela levada a efeito em afronta a disposição legal, quer no aspecto material, quer no aspecto formal, nela incluída, a priori, o bem de família. Assim, preenchidos os requisitos previstos em lei para caracterização do bem de família, não poderia haver expropriação, nos termos do artigo 475-L, III do CPC.

Ocorre que o caso em análise não está coadunado ao preceito em referência. Senão vejamos:

O imóvel do executado foi penhorado para garantir o cumprimento de sentença que o condenou a reembolsar a ex-companheira a metade da quantia auferida pela venda do único imóvel que possuíam à época e que era destinado à residência de família.

Há de se ressaltar então - antes da análise quanto a subsunção ao precedentes de bem de família - que se trata de prestação imposta por sentença, consubstanciada em direito obrigacional, ou seja, tinha o executado a obrigação de dar (quantia certa) à exequente.

Assim, a princípio, pouco importa que o requerido tenha comprado o imóvel atual com o dinheiro adquirido com a venda do antigo bem ou com seu FGTS, como alegado pelo devedor, uma vez que o suficiente ao adimplemento da obrigação é o cumprimento da prestação, seja o dinheiro proveniente de onde for.

Portanto, não há nestes autos, qualquer discussão acerca da existência ou não de sub-rogação do antigo bem pelo atual - com a consequente exclusão do bem da partilha em virtude da utilização de verba própria de FGTS – o que se tem, na verdade, é a execução de uma obrigação de dar dinheiro, de modo que se o executado adimplisse com sua obrigação imposta em 08/11/2006, de reembolsar a exequente “[...] no valor da metade da quantia apurada na venda do imóvel em questão“, não teria seu bem penhorado.

Vê-se então que, a despeito de ser legítimo o direito do executado de opor resistência ao modo e aos limites da execução - através da impugnação - esta não está embasada no princípio da boa-fé, uma vez que o executado pretende, através de uma possibilidade legal, favorecer-se com a própria torpeza, o que é inadmissível em nosso ordenamento.

Ora, para que o imóvel considerado bem de família seja isento de execução e, consequentemente impenhorável, as dívidas do executado devem ser necessariamente posteriores à aquisição do bem ou à sua instituição como bem de família.

Não pode o executado, já sabendo-se devedor, alegar a impenhorabilidade de um bem adquirido posteriormente à inadimplência, de modo que o bem de família responde pelas dívidas quando em prejuizo de débito anterior.

De fato, o instituto, quer em sua forma voluntária (arts 1.711 e seguintes do CC), quer em sua forma legal (Lei n. 8.009/90) tem por finalidade a proteção da família em relação aos riscos econômicos de negócios que possam prejudicar o bem-estar familiar, mas não pode ser utilizado como forma de ocultar ou justificar fraudes. Nestes casos, não há convalidação do vício e a garantia é inaplicável.

Esse também é o entendimento majoritário da doutrina pátria. Senão veja-se:

[...] Há de se afirmar que a impenhorabilidade é relativa [...] só exime o bem da execução por dívidas subsequentes à constituição do bem de família, não podendo ser utilizado o instituto de proteção desta como um vínculo defraudatório [...][3]

[...] O bem de família é impenhorável, sendo excluídos da execução por dívidas posteriores à sua instituição [...][4].

[...] O bem de família foi concebido e é disposto em lei com o objetivo preciso de proteger a família contra penhora que recaia sobre o bem imóvel onde residem, em razão de dívida contraída por qualquer de seus membros, desde que seja o proprietário. Supõe a boa fé do devedor, ou seja, que não se tenha valido da proteção legal, para fraudar credores[5].


Por outro lado, a presente ação pretende justamente garantir a preservação dos direitos consituticionais inerentes à união estável do impugnante com a impugnada, esta muito anterior à presente entidade familiar, da qual o executado pretende amparo e, na qual também resultou em filhos.

Assim, se o executado tivesse procedido à justa partilha dos valores decorrentes da venda do imóvel residencial, adquirido juntamente com a impugnada, à época vivendo sob o pálio da união estável, portanto sua família, sem dispor dos referidos valores para adquirir bens outros, com certeza, todos atualmente estariam resguardados e, por via de consequência, a presente ação careceria de objeto.

Isto posto, de acordo com o parecer ministerial, julgo improcedente a impugnação interposta por A. S., contra a penhora efetuada às fls. 244/246 nos autos que promove contra si Márcia M. M., para determinar o prosseguimento da execução, deferindo, via de conseqüência, o pedido de adjudicação (fls. 240) do bem penhorado, nos moldes do artigo 685-A e seguintes do CPC e o faço com fulcro na Lei n. 8.009/90, artigos 1.723 e seguintes do Código Civil e nos demais princípios constitucionais que tutelam a boa-fé e a entidade familiar da união estável.

Lavre-se o auto de adjudicação e a respectiva carta.

Publique-se. Intimem-se. São Luís, 30 de outubro de 2008.

José de Ribamar Castro
Juiz de Direito
1ª Vara da Família

[1] Art. 474. Passada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido.
[2] Art. 475-L. A impugnação somente poderá versar sobre:
[...]
III – penhora incorreta ou avaliação errônea;

[3] Gonçalves, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva. p. 515.
[4] Gagliano, Pablo Stolze. Novo curso de Direito Civil. Parte Geral. São Paulo: Saraiva. p. 279.
[5] Lobo, Paulo. Famílias. São Paulo: Saraiva. p. 376.

EMBARGOS DE TERCEIRO - MEAÇÃO

Processo n.º 0000/2008
Embargante: M. A.
Embargada: S.S.
Embargos de Terceiro

Vistos etc.

M. A., já qualificada, inconformada com a penhora efetivada às fls. 176/177 (autos de n. 17024/2006), interpôs embargos de terceiro, contra S. S. representada por S. D. devidamente qualificadas nos autos, em razão dos seguintes fatos:

Relata a requerente, em síntese, que os bens penhorados nos autos da ação de execução provisória que a embargada move contra seu marido, também lhes pertencem, uma vez que casada sob o regime de comunhão universal de bens, razão pela qual devem ser totalmente excluídos da penhora.

Afirma que não pode ter seus bens expropriados em decorrência da inadimplência exclusiva do marido, com a qual não participou e não obteve nenhum proveito, não tendo sido contraída em benefício da sociedade conjugal.

Coleciona inúmeros julgados e justifica seu pedido com fundamento no artigo 1.046 do Código de Processo Civil. Pugna, assim, pela procedência do pedido, com a conseqüente exclusão dos imóveis da expropriação nos mencionados autos.

Juntou os documentos de fls. 17/38. Contestação às fls. 52/54.
Às fls. 66 e 101 dos autos, foi indeferido o pedido de suspensão do feito principal, uma vez que apesar da propriedade em comum, a metade dos bens ou seu valor correspondente seriam reservados por ocasião da hasta pública, o que não prejudicaria o direito da embargante.

Inconformada, a embargada interpôs agravo de instrumento, como se vê pela cópia juntada às fls. 77/100.

Com vista dos autos, a representante do Ministério Público, opinou pela procedência parcial do pedido, conforme parecer de fls. 107.

É o relatório. Decido.

Almeja a requerente ver seu bens excluídos da penhora efetuada contra seu cônjuge, em virtude de condenação decorrente dos autos da ação de investigação de paternidade c/c alimentos (n. 3362/2000), na qual figura como investigante a embargada.

Com efeito, a existência dos embargos de terceiro se deve exclusivamente ao fato de que os efeitos do processo não devem, via de regra, atingir esfera jurídica de terceiros.

Reconhece-se, assim, por via inversa, que pode ocorrer (e às vezes com freqüência), a prática de ato judicial de apreensão de bens que atinja bem pertencente a quem não é parte do processo, caso em que deve ser eliminado da constrição, por ofensa ao princípio do devido processo legal[1].

Freitas Câmara, citando Theodoro Júnior[2], é enfático ao ensinar que:
[...] ultrapassando o limite da responsabilidade executiva do devedor (art. 591), e sendo atingidos bens de quem não é sujeito do processo, comete o poder jurisdicional, esbulho judicial que, evidentemente, não haverá de prevalecer em detrimento de quem se viu, ilegitimamente, prejudicado pela execução forçada movida contra outrem.

Ocorre que, no presente caso, é notório que a embargante não detém total razão. Depreende-se dos autos que esta tem direito tão somente à metade dos bens elencados e não à sua totalidade, preceito lógico do regime de comunhão universal de bens, do qual a sociedade conjugal faz parte.
Nesse regime, não há bens particulares ou futuros, comunicando-se todos os bens do casal, salvo algumas exceções previstas no artigo 1.668 do Código Civil, de forma que o cônjuge se torna meeiro de todo o patrimônio que for adquirido por qualquer dos consortes e não proprietário único.

A conseqüência disso é que a requerente só pode dispor e requerer a exclusão da metade dos bens penhorados e não da sua totalidade. Não pode a autora, em prejuízo do direito da alimentanda, reivindicar parte do patrimônio que não lhe pertence e que naturalmente deve ser responsável pelo pagamento do débito.

Assim, desde que respeitada a meação da suplicante, os bens indicados podem perfeitamente ser expropriados, não havendo razão para sua exclusão da fase executiva. Esse é o entendimento de Carlos Roberto Gonçalves[3]:

[...] Decidiu o Superior Tribunal de Justiça que “os bens indivisíveis, de propriedade comum decorrente do regime de comunhão no casamento, na execução podem ser levados à hasta pública por inteiro, reservando-se á esposa a metade do preço alcançado”.

Note-se que os bens indicados correspondem a 02 (duas) salas no edifício Palmares e mais uma garagem, o que traz a possibilidade de serem divididos igualitariamente, o que de fato, restou caracterizado nos presentes autos.

Deste modo, apesar de penhorados todos os três bens indicados (fls. 176/177), somente foi deferido o pedido de adjudicação em favor da alimentanda de 01 (uma) sala comercial (n. 1008), consoante se vê pelas decisões de fl. 212 (proc. 0000/2006) e de fl. 101 (proc. 15988/2008), ficando resguardada à embargante a propriedade da outra (sala n. 1004), restando pendente de deliberação apenas a situação do outro bem (garagem n. 217).

Portanto, observa-se que foram respeitados todos os direitos da embargante, durante o processo de execução, de modo que não se vislumbra qualquer prejuízo que justifique a interposição dos presentes embargos.

O que não se pode permitir é que a menor em questão, já prejudicada pelo inadimplemento da obrigação, sofra ainda mais com a suspensão do processo, cuja causa deve-se exclusivamente à inadimplência do devedor.

A obrigação de alimentos, tutelada inclusive constitucionalmente, não pode ficar condicionada às artimanhas do devedor, muito menos às formalidade legais (art. 1.052 CPC[4]), que impedem o cumprimento imediato da obrigação alimentar (de natureza imprescindível), devendo ser interpretadas em conjunto com as disposições constitucionais atinentes à dignidade da pessoa humana, à vida, aos alimentos e à proteção aos filhos.

Com efeito, a ação de alimentos busca preservar o direto à vida e não se trata apenas de interesse privado do alimentante, vez que se refere à matéria de ordem pública, razão pela qual reclama uma eficiente e célere execução.

Desse modo é que a tutela executiva, mormente no que toca aos alimentos, passou a ser considerada como direito fundamental – seguindo a tendência irreversível da constitucionalização do direito de família – havendo, por parte de seus especialistas, constante preocupação em proporcionar a imediata e integral satisfação do direito pleiteado.

Madaleno[5] destaca que:

[...] Especialmente na esfera do direito de família, mostram-se sobremaneira sensíveis as vindicações judiciais que precisam responder às angústias pessoais, tão abaladas pelo influxo do tempo. Procurando sempre conciliar a rápida prestação jurisdicional com a segurança da mais irrestrita defesa, deve o direito aperfeiçoar-se na busca do exato ponto de equilíbrio em que a celeridade processual não prejudique o fundamental direito de poder exaurir os meios de defesa previstos pela lei.

Assim, a execução de alimentos deve prosseguir em seu curso normal, sendo apenas resguardada a meação da embargante, sem qualquer prejuízo para si ou para alimentanda.

Por fim, com relação a garagem, último bem pendente de execução, há de ser observado o disposto no artigo 655–B do CPC[6], incluído pela lei 11.382/2006, devendo a meação da embargante recair sobre o produto da sua alienação.

Há de se ressaltar, porém, que como não há nos autos comprovação do trânsito em julgado da sentença de investigação de paternidade c/c alimentos, o levantamento de qualquer depósito e a prática de atos que importem alienação de propriedade ou ainda, de qualquer ato que possa resultar grave dano ao executado, dependem de caução suficiente a ser prestada pela alimentanda, sobre o saldo do valor previsto no artigo 475-O, §2º, I do CPC[7].

Diante do exposto, julgo parcialmente procedentes os embargos de terceiro opostos por M. A. contra S. S. representada por S. D., para o efeito de excluir a sala de n. 1004, localizada no 10º Pavimento do Edifício Palmares, na Av. Colares Moreira (fls. 116, proc. 0000/2006), bem como metade do valor arrecadado sobre o produto da alienação da garagem de n. 217 (fls. 117), da execução promovida naqueles autos e o faço com fulcro nos artigos 655-B e 1.046 do CPC.

Cientifique-se a exeqüente sobre a impossibilidade da prática de qualquer ato de alienação, sem a prestação da devida caução, conforme já mencionado alhures.

Sem custas.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se

São Luís, 28 de novembro de 2008.


José de Ribamar Castro
Juiz de Direito
1ª Vara de Família
[1] Constituição Federal. Art. 5º. [...].
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
[2] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Lumem Júris: Rio de Janeiro, 2007, p. 484.
[3] - Gonçalves, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Editora Saraiva: São Paulo, p. 426.
[4] Art. 1.052. Quando os embargos versarem sobre todos os bens, determinará o juiz a suspensão do curso do processo principal; versando sobre alguns deles, prosseguirá o processo principal somente quanto aos bens não embargados.
[5] MADALENO, Rolf. Direito de Família em pauta. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.

[6] Art. 655-B. Tratando-se de penhora em bem indivisível, a meação do cônjuge alheio à execução recairá sobre o produto da alienação do bem.
[7] Art. 475-O. A execução provisória da sentença far-se-á, no que couber, do mesmo modo que a definitiva, observadas as seguintes normas: [...]
III – o levantamento de depósito em dinheiro e a prática de atos que importem alienação de propriedade ou dos quais possa resultar grave dano ao executado dependem de caução suficiente e idônea, arbitrada de plano pelo juiz e prestada nos próprios autos.
[...]
§ 2o A caução a que se refere o inciso III do caput deste artigo poderá ser dispensada:
I – quando, nos casos de crédito de natureza alimentar ou decorrente de ato ilícito, até o limite de sessenta vezes o valor do salário-mínimo, o exeqüente demonstrar situação de necessidade.

domingo, 30 de novembro de 2008

O POÇO DO MERCADO


Esta beleza plástica de narrativa reflete na pena e no talento da Acadêmica Graça Leite, o imaginário popular pinheirense trazendo contos e lendas de um passado distante para a vida presente, numa mistura do que foi e o que é.

Memorização esta vivida em Pinheiro quando das comemorações do terceiro aniversário da Academia Pinheirense de Letras, Artes e Ciências – APLAC, no período de 18 a 23 de novembro do ano em curso, numa proveitosa programação intelectual e cultural, materializada por oficinas de teatro, xilogravura, manipulação de bonecos e cerâmica sob a orientação da Acadêmica Joana Bitencourt.

Na outra vertente, foram proferidas palestras sobre o “Envelhecimento Populacional – assistência ao idoso”, pela Acadêmica Sandra Mendes e “Os 20 anos da Constituição de 1988”, aos encargos do Acadêmico José de Ribamar Castro. A participação da comunidade, de professor e alunos foi deveras marcante.

No seio da APLAC se configurou a posse do Dr. Genival Abrão Ferreira e do Prof. Nelson Nogueira Nunes, os novos imortais, acolhidos pelo Acadêmico Agnaldo Mota, enriquecendo sobremaneira o quadro dos seus integrantes, em solenidade presidida pelo Acadêmico Aymoré de Castro Alvim.

Ressalta-se por oportuno, a presença da imprensa pinheirense agraciada com um café da manhã, e a inauguração do memorial Des. Elizabeto Barbosa de Carvalho, fundador do Jornal Cidade de Pinheiro, nos idos de 1921, completando assim, este semanário, oitenta e oito anos de excelentes serviços prestados não só à comunidade pinheirense, como também, um relevante órgão de comunicação para o mundo globalizado.

Em que pese os anos, talvez, mesmo pela longevidade que a pós-modernidade tem oferecido às pessoas com os avanços tecnológicos e científicos, parece ao meu sentir, uma idade considerável, entretanto, não o é para um veículo de informação da qualidade e elã do “Cidade de Pinheiro”.

Ainda, em homenagem a aniversariante – APLAC -, a Acadêmica Marita Gonçalves pontilho-a com o poema de grande expressão ao evento, intitulado – Fecundação:

“A pequenina semente germinou!
Já nasceram três folhas
É primavera às folhas são chegadas
...e os frutos encherão esta Casa”.

Após a palestra sobre “Os 20 anos da Constituição”, os acadêmicos e a comunidade saíram em caminhada sob os sons afinados e harmoniosos do sax do Acadêmico e maestro Pedro Bastos, trombone, instrumentos de corda e percussão, num romantismo musical pelas ruas e monumentos históricos da cidade, e em cada um deles, uma parada estratégica e obrigatória para contos, cantos, declamações e proclamações. Foi sem dúvida uma noite diferente, marcante e cheia de emoções.

Na parada junto ao “poço do mercado”, monumento em que o tempo não sabe contar a idade, mas está tão enraizado na historiografia da gente pinheirense, que já faz parte integrante do seu cotidiano foram ali rememorados, e não poderia ser de outra forma, como é aquele poço, uma das testemunhas remanescentes de uma era em que somente os escritores e historiadores, têm a obrigação de registrar para o conhecimento de gerações futuras, as lendas da cidade.

Assim, tomaram vida na voz e na proclamação do aluno universitário do campus de Pinheiros, curso de teatro, as figuras da - mãe- d’agua, o curupira, a curaganga, a manguda, a velha feiticeira que virava porca e a carroça de ossos da meia noite, bem como as personagens enigmáticas de – Felicidade, Sostenes, Chico, Candinho-pé-de-bola, Beiço de Rosa e outros mais, retratados na composição musical do Acadêmico Batista Pessoa.

Diz a Acadêmica Graça Leite:

“O passado sentou-se à beira do poço do Mercado e espiou para dentro. Viu o seu rosto envelhecido refletido no espelho das águas, fechou os olhos e sonhou...

Na nebulosidade do seu sonho, logo apareceu uma dezena de escravos cavando a terra, fazendo aquele buraco, em busca de água fresca e pura que lhe desalterassem a sede.
Suor e lágrimas escorriam pelos corpos seminus dos negros.

Talvez, quem sabe? Aquela pocinha d’agua, lá no fundo, que nunca seca, seja o acumulo daquelas gotas de sofrimento...!

Lentamente, um vulto feminino se despreende das barreiras marrons e do fundo do poço e emerge a figura de uma mulher: era a Mãe D’agua. Bela, branca, cabelos lizos, longos e dourados. Viu-a sentar-se no bocal do poço penteando os seus longos cabelos em noite de lua cheia. Tinha uma fisionomia serena, doce, mas era assombração, e assombração era coisa do mal, tanto é que os cachorros latiam, uivavam, gemiam, corriam pra lá e pra cá no areal das ruas e nos quintais das casas, tentando fugir dos assobios e dos açoites da dona das águas.

Depois da mãe d’agua apareceu o currupira.

Veio subindo, depressa e quando pareceu na superfície mostrou logo as suas travessuras. Moleque danado de safado! Calcanhares pra frente com os dedos dos pés todos virados para trás. Deixara rastros esquisitos pelos caminhos da mata e corria no rumo das tucunzeiras, encaraptando-se lá no olhinho entre os espinhos e levando consigo as crianças desobedientes que se atreviam a sair de casa no pino do meio dia.

Em seguida apareceu de dentro do poço uma tocha de fogo e passou zunindo no rumo do campo. Era a curaganga.

Temida e respeitada por pescadores, as cabeças das velhas feiticeiras libertavam-se dos corpos e ficavam nas redes, e nas noites de sexta-feira, saiam pelos campos com a sua magia encandescente, soltando faíscas, subindo e descendo, bailando ao sopro da brisa, separando-se e unindo-se em um só foco de luz que o olhar amedrontado dos pescadores fazia crescer.

Olhem! Vejam! Lá vai a curaganga riscando o céu! Vai no rumo do oiteiro de São Carlos.
A procissão de lendárias imagens, continua no sonho do passado.

É lá que ela arranca, de dentro o poço a manguda.!

Lá vem ela surgindo das águas, aparecendo nas noites escuras, com o seu chambrão branco esvoaçando, indo em desabalada carreira pelas ruas da Vila de Pinheiro em busca de um amor proibido. Quem a avistava de longe, corria mais do que ela e, ofegante, chegava em casa, apagava a lamparina e jogava-se na rede com os cabelos todos em pé.

Mal a manguda desaparece, eis que o marulhar das águas do poço indica o aparecimento de mais uma lenda: é a velha feiticeira que virava porca.

Deitada no lamaçal “bucho de velha”, lá perto da Forgata, em frente a usina, ela roncava, grunia, sapateava e pingando lama, corria atrás dos transeuntes que se aventurassem a chegar perto do seu leito lamacento.

Até a mata do Bom Viver foi resgatada pelo sonho lendário do passado e trazida para a procissão de lembranças.

Foi visto bem ali, com o seu caminho de mata com barreiras altas, estrada funda, fechada lá em cima pelas copas das palmeiras de babaçu. Da escuridão da mata ouviam-se gritos, apareciam vultos estranhos, sumiam, tornavam a aparecer, montavam na garupa dos cavalos, emparelhavam com o galope dos cavalos, deixando as barrigas dos animais ensangüentadas pelos fustigamentos das esporas dos seus condutores. A febre nervosa, no dia seguinte, era curada por benzições e garrafadas dos pajés.

De repente, ZAZ!, surge de dentro do poço a carroça de ossos, a meia noite, atritando correntes, chacoalhando ossos de defuntos e sai pelas ruas da cidade, interrompendo o sonho dos pinheirenses que afirmam, no dia seguinte, haverem escutado o sinistro som.

A evocação destas lembranças trás o velho passado para o presente. Só então ele percebe o quando aquelas lendárias imagens estão distantes! Cento e cinqüenta e dois anos se passaram e foram guardados no fundo daquele poço! Somente ele resistiu aos impactos do mundo moderno, representando a única testemunha viva daquela época. E tudo o que restou do tempo em que o conhecimento era empírico e o povo buscava explicações para a vida simples que levava, misturando lendas, surpertições e crendices, fazendo do imaginário o código de suas leis.

És tu, oh poço do Mercado, nosso velho amigo centenário, o depositário dos nossos mais caros tesouros.
Quantos anos tens?

Ninguém sabe. Sabemos apenas que das profundezas das tuas águas turvas, nasceram as nossas origens.

Sentado no bocal do poço do mercado, o velho passado medita!

Tem consciência de que as imagens saídas dali somente virão à tona nas páginas dos livros dos estudantes ou na lembrança dos antigos pinheirenses.

Diante desta constatação, o velho passado espiou mais uma vez para dentro do poço e desta vez...chorou. Lágrimas de saudades foram saindo dos seus embaciados olhos cansados e pingando, pingando, uma e uma foram caindo dentro do poço misturando-se “lá no fundo com a novas águas que começaram a brotar da vertente do progresso.

Foi então que o milagre aconteceu:

Oh! Céus!

O passado e o presente se misturaram dentro do poço e as águas começaram a subir; foram subindo...subindo...e explodiram na superfície formando uma CASCATA DE LUZ!!!”

Pinheiro é assim, um poço de cultura, lendas, crendices, fértil de água da cepa da melhor qualidade, de gente sofrida, trabalhadora, de boa índole e amante das coisas da terra, dos campos verdejantes e alagadiços, da ceia de bagre, da piaba, da farinha biriba, do rio Pericumã e das benções protetoras do padroeiro Santo Inácio.
O "poço do Mercado" registrou sim, mais um acontecimento importante nas páginas dos seus anais, em fazer assento real e histórico do terceiro aniversáro da Academia Pinheirense de Letras, Artes e Ciências – APLAC.
Parabens a APLAC.

São Luis, 30 de novembro de 2008
José de Ribamar CASTRO
Acadêmico da APLAC

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Culpa na Dissolução do Casamento


A pergunta que se faz inicialmente é: quando o amor acaba o Estado tem instrumento para mantê-lo? Quem é o responsável por haver acabado?

O inquestionável é que ao ser levado para apreciação da jurisdição a insuportabilidade da vida conjugal, em regra, a sociedade está num momento bastante critico. Á justiça chega o resto de amor.

O artigo 1566 do CC fala da fidelidade conjugal que acabou com a separação judicial, permanecendo a assistência e guarda dos filhos. Acaba a fidelidade, a coabitação e a relação patrimonial.

Na separação judicial há civilidade e ética na dor. Pode ocorrer que um amor não tenha acabado – art 1572 CC. O juiz não pode adentrar na problemática do íntimo.

O art. 1572, parágrafo 1º, trata da separação sem culpa.
O art. 1572 parag. 3º fala da culta por conduta desonrosa.

A partir de 02 anos de separação de fato pode acabar o casamento, não há culpa.

A condição de guarda é afetiva e moral.

No divórcio direto por mais de dois anos não se discute culpa. Na separação não há um único culpado.

Culpa é mergulhar no íntimo (analisar o íntimo por está gorda, sem vontade de relação sexual, por estar bebendo, por não conseguir conversar, por diferença intelectual).
A sensualidade não é só de corpo, mas de intelecto. O casamento e o amor não admitem descuido. Amor e casamento são chamas.

A mulher que antes não tinha coragem de sair do casamento. Tinha vergonha de dizer que apanhava que era humilhada.

A prova emocional da vingança é perigosa. (tire o seu sorriso do caminha que eu quero passar com a minha dor).

O judiciário não é local para resolver culpa.

A mulher que apanha é violência assumida.

A culpa em juízo não resolve a dor, mas tem apenas o efeito moral de mostrar que não sou o culpado. Numa situação de separação a pessoa tem que tomar atitude pensada e não dar uma de “pipoca = dar um pulo e depois se abre”.

A vida não é só sonho, mas não adiante alimentar a dor.

A petição ofensiva tem uma contestação agressiva e o contestador quer provar que o outro é agressivo, que vivia direto no telefone, na novela, no salão, foi negligente, a arrumação da casa era sempre mais importante.

De toda sorte agente tem que amar que seja infinito enquanto dura. O advogado não deve levar para a petição a carga emocional do seu constituinte, não deve se empolgar e se apaixonar pelo caso.

Luto, amor e ferida não são danos do casamento, mas conseqüência.

A culpa é subjetiva e está relacionada com a dignidade da pessoa humana.

A antiguidade e a idade média foram marcadas pela presença social muito forte da família. A família se revestia de interesse público e era disciplinada por normas imperativa do estado, como forma clara de institucionalização da instituição familiar.

O casamento implicava a união de bens sob a autoridade do marido.
A sacralização da mulher, do casamento e da maternidade foram argumentos sutis para caracterizar a autoridade do marido.

Tanto na Grécia como no Direito Romano (arcaico) o que unia as famílias era o aspecto religioso. As regras da família eram ditadas pela religião. Através da comunhão de culto aos antepassados.

Nessas sociedades a mulher estava relegada a um papel secundário dentro da família- religião e ela não representava nada em relação aos antepassados.

O pai era o proprietário dos bens, senhor dos escravos, da mulher e dos filhos, daí a razão do termo família originar de famulus, que significa escravo e não ao casal, mas ao conjunto de escravos sob a autoridade paterna.

Tanto na Grécia como em Roma era admitido o divórcio pela figura do repudium por ato unilateral do marido. A principio o repudium ocorria por adultério, falta grave cometida pela mulher, passando depois a ser admitido mesmo quando a mulher era inocente de qualquer ato.

Com o cristianismo a igreja passou a estabelecer normas que foram denominadas de cânones, dando origem ao direito canônico, impondo a indissolubilidade do vinculo matrimonial e só excepcionalmente, admitia a separação, sem os cônjuges poderem casar de novo.

Para consolidar essa orientação foram difundidos os conceitos de culpa, céu e inferno, criando o receio do pecado da carne, sexualidade dava idéia de pecado.

A igreja passou a adotar o casamento como sacramento, uma vez que homem e mulher se unem formando uma só carne – Mt 19, 5-6.

O renascimento passou a valorar a mulher e o racionalismo contesta os dogmas religiosos. Lutero defende a idéia de que o casamento é uma simples instituição civil, e isto abre o caminho para a admissão do divórcio com base na violação culposa dos deveres matrimoniais.

A laicização do casamento vai se consubstanciar com o iluminismo.

No Brasil o casamento iniciou com o casamento religioso católico, em 1550, pelo bispada da Bahia. A republica trouxe a separação da igreja do estado e o casamento passou a ser civil. A constituição de 1934 reconheceu os efeitos civis ao casamento religioso.
Com a Lei 6.515/77 – divórcio - foram admitidas: a separação sanção baseada na culpa; separação remédio com base na grave doença mental e a separação falência com a separação de fato por mais de um ano.

O CC/02, trata:

Art. 1.572. – qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de separação judicial, imputando ao outro qualquer ato que importa grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum.

Parag 1º A separação judicial pode também ser pedida se um dos cônjuges provar a ruptura da vida em comum há mais de um ano e a impossibilidade de sua reconstituição.

Parag 2º O cônjuge pode ainda pedir a separação judicial quando o outro estiver acometido de doença mental grave, manifestada após o casamento, que torne impossível a continuação da vida em comum, desde que, após uma duração de 02 anos, a enfermidade tenha sido reconhecida de cura improvável.

Art. 1573. Pode caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida a ocorrência de algum dos seguintes motivos:

I – adultério
II – tentativa de morte
III – sevicia ou injuria grave
IV - abandono voluntário do lar conjugal, durante 01 ano continuo
V – condenação por crime inafiançável
VI – conduta desonrosa.

O artigo 1573 revigorou a culpa na separação, o que já havia sido superada pela lei do divórcio.

O parágrafo único desse artigo atribui ao juiz outras causas, como por exemplo: a alegação de um dos cônjuges de que é infeliz ou está insatisfeito na relação.

Nesse sentido o artigo 1511 diz que: o casamento estabelece comunhão plena de vida com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges. Assim, se não existe mais a comunhão plena, não há razão para a relação continuar.

Doutrina contrária a apuração da culpa.

“nada pode ser mais cruel que preservar, pela violência, uma união que no inicio foi feita por amor mútuo, mas agora se dissolve em mútuo ódio. Tal casamento é a pior das prisões”.

O posicionamento é defendido porque o apurar a culpa vai de encontro á dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da constituição art. 1º, III, e reconhece no artigo 226, parag 6º o casamento como vínculo dissolúvel pelo decurso de tempo. Fere o principio da livre determinação do art. 5º CF.

Não existe razão para a apuração da culpa no que diz respeito a separação.

Ainda, se o casamento está falido e não havendo mais a comunhão de vida entre os cônjuges, nada justifica a manutenção forçada do matrimônio, vez que não trás quaisquer benefícios para o casal e os filhos.

Não é a lei que faz a separação, mas a quebra da comunhão do interesse ou sentimentos. A lei mantém somente o estado de casado, mas não o matrimônio. Enquanto o casal vai bem não há necessidade de regras impostas pelo Estado.

Dificuldade de se apontar o verdadeiro culpado

Primeiro porque partindo do principio de que não há uma única verdade, mas versões da realidade. Na acusação de culpa, a parte oculta é muito maior que a visível.

Em regra a causa apontada para a separação é apenas conseqüência de outras situações já vividas. Num relacionamento a dois, os dois são responsáveis pelo sucesso e pelo fracasso. O casamento não é desfeito por um fato único e isolado.

O rompimento é feito por um acumulo de vários momentos, embora não tenha o casal consciência disso. Muitas mágoas são geradas por aquilo que não foi dito e feito.

Na separação os cônjuges vão enfrentar uma situação de um projeto que não deu certo, um sonho fracassado, com a não correspondência do outro ás expectativas depositadas. Há grande dificuldade do casal lidar com a dor da perda. Sempre um imputa ao outro o insucesso e deseja ser absolvido por que julga.

A dissolução ás vezes advém do fim natural, por um deixar de gostar do outro.

O judiciário é o depositário onde as partes depositam seus restos – de amor. O Direito insiste em afirmar um culpado pelo simples fato de haver praticado algum ato, mas as vezes esse culpado foi levado a isso pela falta de amor, afeto, carinho ou porque a relação acabou.

Na busca do culpado, um dos cônjuges passa por humilhação pública, de vingança, represália, castigo.

A separação trás sempre uma perda, ninguém casa pensando em se separar. O afeto é o valor maior do direito de família.

Diferente do código de 1916 e a lei do divórcio atribuíam a conjugo inocente o direto a guarda, o atual código dispõe que a guarda será atribuída a quem revelar melhores condições de exercê-la, não fazendo qualquer referencia a culpa pelo fim do casamento.

Hoje, no sentido acima está descartada a questão da culpa, prevalecendo o principio do melhor interesse do filho, o que já foi consagrado na legislação portuguesa, francesa, alemã e norte americana.

A legislação busca um menor sofrimento da criança pela ruptura do relacionamento dos pais.

Nome da Mulher – Antes era obrigatória a mulher usar o nome do marido, com a lei do divórcio este dado passou a ser facultativo. O novo CC, expressa a possibilidade do marido também usar o sobrenome da mulher caso queira.

Antes a mulher considerada culpada na separação perdia o direito de usar o nome do marido. Hoje o NCC consagra essa mesma disposição, mas somente se for requerido pelo outro cônjuge e se não trouxer prejuízo para a identificação do cônjuge.

Nesse sentido temos 03 correntes de pensamentos:

1 – sustenta a idéia da culpa. O cônjuge culpado não deve ter direito de permanecer com o sobrenome do cônjuge inocente.

2 – defende a idéia de causa e efeito. Desfeito a relação não existe mais razão para a permanência do sobrenome do outro.

3 – o nome adotado quando do casamento passa a fazer parte da personalidade do cônjuge, identificando-o no meio familiar, social e profissional. Cabendo somente ao portador do nome saber se deve ou não permanecer com o sobrenome do outro, independentemente de culpa ou não pela separação.

Contrato de Convivência na União Estável

O contrato está condicionado a União Estável e não requer distrato. O contrato no período da União Estável.

No casamento o SIM estabelece um plano jurídico. O contrato de convivência deve ser no inicio da relação, porque no inicio tudo é lindo e apaixonante. No decorrer da convivência gera desconfiança e vem palpites até da sogra. A sogra é palpiteira e é sempre sogra. Sogra não se cria, mas se acumula.

O contrato pode ter efeito retroativo ao inicio da União preservando o Direito de terceiro.

Na União Estável o regime de bens pode ser mudado a qualquer tempo, portanto, é mais flexível.

Forma de contrato - basta o contrato escrito, não precisa de escritura pública. O contrato escrito e particular tem pouca força em processo, daí a recomendação de escritura pública.

O contrato não cabe para registro de imóveis.

Conteúdo do contrato - é um meio de convivência de modelo patrimonial. Exemplo: a mulher presta serviço doméstico de 2ª, 4ª, e 6ª feras e o marido de 3ª e 5ª feiras. O domingo é livre. A relação sexual no mínimo três vezes por semana. (Nos E.U.A – passa a semana e nada de relação, o marida cobra e a mulher responde: quem diz que não fiz. A clausula tem que ser precisa nos termos).

Patrimônio – pode ser por: separação de bens; separação total de bens, separação diferenciada, ou seja, 30% , 70%; a participação em determinados bens; exclusão de outros; imóvel comum e empresarial separa; exclusão e bens da comunhão; o bem adquirido por cada um não se comunica, ou seja, o meu que é meu, é meu; exclui o fruto de bens particulares; indenização pelo rompimento da União Estável. (Ronaldinho, publicado na imprensa, acordo com Chialere de um milhão de dólares, pelo rompimento); se houver conflito pode ser buscado um arbitro. Vale no contrato de convivência a própria vontade das partes.

Responsabilidade Civil na Relação Familiar

Na responsabilidade é necessário: o dano real; ação ou omissão e nexo de causalidade. Esses elementos terão que ser comprovados. O caso fortuito e a força maior são excludentes da responsabilidade.

Pode ocorrer que o filho queira uma indenização do pai por falta de amor ou falta de assistência emocional – art. 22 ECA. At. 1º da CF. art. 5º , X e XI (dignidade e direito fundamental) art. 630 d0 CC, o pai por abandono do filho.

O amor não é medido em dinheiro (como foi o dano moral), a indenização é uma compensação por falta de amor.

Existe a possibilidade de indenização por pressão do marido em não permitir a mulher estudar ou trabalhar e depois de algum tempo é abandonada pelo marido. Cabe indenização? É possível alegando o principio da oportunidade por não ingressar no mercado de trabalho.( o principio da perda da oportunidade ou de uma chance).

O art. 932. do CC – a doutrina tem se manifestado da ação quanto ao pai. Hoje, o operador do direito tem que se apoiar na doutrina, jurisprudência e não só na lei.

A relação e família é muito mais de sensibilidade que de lei.

DANO Hipotético – ex. um carro passa a 200km/h e a pessoa atravessa a não rua porque poderá ser atropelada.

Cuncubinado impuro - a pessoa convive com outra, mas não apresenta condições para casar. O concubinato puro é hoje chamado de união estável.

O dano tem que ser certo – concreto.

Exemplo deDanos = Traição virtual; indenização por falta por falta de sexo (o marido trabalhava muito e a sociedade monogâmica ficava impossibilitada).

Relativização da Coisa Julgada na Investigação de Paternidade

Coisa julgada é a decisão que não cabe mais recurso – LICC. Constituição Federal, art. 5º, XXXVI..

Para desfazer a coisa julgada temos a ação rescisória.

O laudo de DNA não é documento no sentido estrito, mas uma prova Com o DNA acabou-se aceitando a repropositura da investigação da investigação, porque se trata de identificação de pessoa.

Na investigação de paternidade procura-se o pai e não um pai (porque a criança já pode ter um pai afetivo).

O pai é o marido da mãe, esta é uma verdade fictícia, de presunção. Na investigação busca-se a verdade real.

A ação rescisória por si já relativa a coisa julgada. A coisa julgada perante o principio da segurança constitucional da segurança jurídica.

Antes do DNA a investigação era com base em indícios, presunção.


Na investigação a verdade real é biológica e deve ser analisada com outras provas.

Só existe a relativização da coisa julgada quando não tem o DNA. O que se busca é a desbiologização da paternidade em razão do pai afetivo.

Ex. a pessoa registra um filho como se fosse seu mesmo sabendo que não é e depois se separa da mãe da criança e não quer mais ser o pai, nesse caso a ação deve ser negada em função de afetividade e do principio sociológico, resguardando o interesse do menor.

As vezes o pai reconhece de fato a paternidade, mas não a reconhece legalmente por causa da pensão.

Hoje com a tecnologia até a morte é fabricada.

O Direto de família trabalho com a sensibilidade, emoções, desamor, pedaços de amor, raiva, mágoa e vingança. Por traz da lei temos a sensibilidade.

A negativa de paternidade não é negar o ser pai, mas excluir a paternidade.
A investigação não se prende só a registro, mas a herança genética.

A Sucessão do Companheiro no Código Civil

A mulher já sofreu muito com o problema do preconceito e da discriminação quanto ao companheirismo. Mesma a mulher sendo culta e inteligente, mas casava praticamente se anulavam em função do marido, mesmo sendo esta um idiota. Era o machismo, podendo até não ser macho.

A CF/88 procurou espancar essa desigualdade formal ( hino e igualdade) art. 5º,I.
A família tem a mesma dignidade pelo casamento e pela união estável.

A união estável passou do fato da vida social para a constituição e depois para a lei ordinária.

O CC trata a união estável, no art. 1723 e seguinte.
A união estável é constituída sem formalidade pelo homem e pela mulher, não tem papel.

A família deixou de ser um núcleo econômico e produtivo para se um núcleo afetivo.
A união estável é um conjunto de circunstâncias.

OBS: silencio eloqüente = não disse porque não quis, mas sabia.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

DISCURSO DE POSSE NA ACADEMIA DE LETRAS


Excelentíssimo Senhor Dr. Jurandy Leite -Presidente da Academia Pinheirense de Letras, Artes e Ciências – APLAC.
Senhor Desembargador Benedito Belo, Vice Presidente do Tribunal de Justiça do Maranhão.
Dr. Antonio Américo Gonçalves, representante da OAB.
Dr. Lino Moreira, Presidente da Academia Maranhense de Letras.
Desembargador Cleones Cunha Carvalho, Diretor de Escola Superior da Magistatura.
Professores do Curso de Filosofia da UFMA.
Professores da Faculdade Santa Terezinha – CEST.
Alunos da UFMA
Alunos do CEST.
Advogados, Juizes, Promotores, Militares.
Estimados conterrâneos.
Meus familiares.


“Já que dormir um instante eu não consigo,
Nesta cena de amor que desempenho.
Abro a janela deste quarto e venho
Pedir-te oh! Lua, um divinal abrigo.

Ouve-me, pois, escuta o que te digo:
Se bastante não for o amor que tenho
Se for preciso a minha vida empenho
E este segredo morrerá comigo . . .

Tu que és tão bela e cheia de primores
Vai a Pinheiro dizer a minha amada
Que eu preciso contar-lhe as minhas dores.

Vai lua . . . Vai sem nada refletires.
Mas voltas antes que finde a madrugada
Que minha vida te darei se me pedires! . . .”
Prece à Lua
Abílio Loureiro – fundador da cadeira 16.

Com esta beleza de poema saúdo a todos os acadêmicos desta Augusta Casa.

Senhores e Senhoras

A vida é feita de momentos, sejam eles de maior ou menor intensidade. Sei que muitos deles ainda me estão reservados, mas com tanta emoção e revestido com aquela magia que as palavras não conseguem traduzir o que sente o coração, penso que nenhum seja igual ao que vivencio neste instante, um estado de real significação em minha vida, pelo seu enriquecimento emocional e elevado sentido de afeto e alegria, em assumir nesta noite, uma cátedra /na Academia Pinheirense de Letras, Artes e Ciências.

O fato em si /me desperta um sentimento de satisfação e de agradecimento acima de tudo, a todos que contribuíram com suas participações, quer sejam elas direta ou indireta para que esta solenidade acontecesse.

Agradeço a todos os presentes e aos meus familiares, irmãos, parentes e especialmente minha mulher Violeta e meus filhos em cujo convívio sempre encontrei um oásis espiritual para o revigoramento de minhas convicções.

Senhor Presidente, com a compreensão de Vossa Excelência, peço a devida vênia, para dedicar este acontecimento a Luzia Castro, minha mãe e Doutor de Memeco, meu pai, já na eternidade, por me ensinarem o caminho da existência, não só com palavras, mas, sobretudo com exemplo do trabalho, do estudo e do temor divino.
Por outro lado, suscita-me um reverente sentimento de humildade e agradecimento a Deus, cuja mão protetora tem feito superar as minhas limitações pessoais, dando-me a eufórica surpresa do atleta olímpico que bate seu próprio record.

Sem falsa modéstia, porém, devo confessar que aqui não chego de todo desprovido, mas de certa forma, respaldado por um curriculum que tem como vertentes: o magistério, a magistratura, e a universidade da vida.

As duas primeiras – o magistério e a magistratura - não têm apenas mera semelhança nominal ou vernacular, mas uma profunda correlação conceitual, visto que o mestre e magistrado, segundo a denominação latina do termo “magister”, são duas palavras que conotam a idéia de docência e poder.

O mestre modela o espírito do homem para vida, tal como dizia SÊNECA, pensador estoicista: - “non scolae (escole), sed vitaé discimus”- não aprendemos para a escola mas para vida.

A docência filosófica e jurídica nos corredores da universidade abriu - me os olhos para uma visão de mundo humanizado segundo a tradição clássica da cultura greco-romana e renascentista.
Na outra vertente, a magistratura. Aqui seguir os caminhos de Temis, divindade da justiça na mitologia grega, filha de Urano e Gaia e mãe de equidade, da lei e da paz, representada por uma mulher de porte altivo, e olhar severo, mas não feroz.

Tinha como atributos uma balança (símbolo da equidade) e a espada (símbolo da autoridade) ou um feixe de machados rodeados de varas – símbolos da autoridade.

Na terra exercia a missão, de maneira atenta e sem a cegueira que posteriormente lhe atribuíram, de proteger os justos e punir os culpados. E nessa linha de raciocínio, e em seu nome e com base em suas opiniões os juizes emitem suas decisões.

A idéia de que a justiça cega foi concepção romana, porque se prendiam mais na questão da legalidade que no conceito de justiça, admitida pelos gregos e assim, com essa idéia de imparcialidade os romanos tiveram a simpatia dos povos conquistados.

Temis não era vendada, somente no século XVIII que foi colocada a venda por pintores alemães, para simbolizar a imparcialidade.

O juiz deve ser parcial quando o objetivo último é a justiça. Não há razão lógica para admitir uma justiça cega e sem qualquer sensatez. Admitir que a justiça é cega, é uma visão mais cega ainda.

Não é a venda que faz a justiça, mas o caráter, a honradez e a personalidade. O vendado é desvirtuar o sentido real de justiça. E um desrespeito a aqueles que buscam o amparo do direito.
É descaracterizar o sentido estético e por em cheque o caráter real da beleza de Têmis.

A final não é atoa que a justiça bem aplicada é bela.

Por isso que a justiça é representada por uma deusa e não por um deus. Assim, a justiça é essência e não acessória.

O magistrado faz o inverso do professor: ordena a vida, disciplinando-a para a convivência social sob o império da lei.

A magistratura me proporcionou, também, uma visão de mundo mais humanizado, segundo a concepção romanística do direito, assim elegantemente expressa: ubi societas ibi jus, ubi jus ibi homo”= onde está a sociedade existe o Direito, e onde está o Direito aí está o homem.
Na outra via, a universidade da vida touxe-me a dimensão de como a pessoa deve lutar para manter firme o seu ideal e nutrir o seu ethos.

Filho de uma família modesta, passando pelas dificuldades inerentes de minha classe, confesso que a cada obstáculo transporto tornou cada dia mais forte minha identidade profissional, pois a vida, a realidade, é uma universidade.

Ela nos ensina a cada momento revitalizarmos o nosso saber, para podermos incluir, articular outros saberes construídos em outros contextos.

A minha história existencial tem possibilitado uma especialização na produção de um conhecimento, geralmente ignorado pela academia.

Com respaldo informativo dessas três visões de mundo – o do magistério, da magistratura e escola da vida -, me sinto, de certa forma, habilitado para ocupar a Cadeira no 16, cujo Patrono é o Desembargador José Maria de Jesus Marques.

Ao cruzar os portais desta Confraria, que já se impõe por sua respeitabilidade e por abrigar a quintessência da intelectualidade pinheirense, fico a me questionar acerca do papel a ser desempenhado pelo intelectual junto à comunidade, principalmente, no dever de iluminar a sociedade para os valores imateriais e supremos, tão necessários à essencialidade da vida humana.

Portanto, entendo que a academia não é somente um lugar de veneração da cultura, mas também, um espaço de debates, reflexões, inserções sociais e políticas e um canal que viabiliza a produção intelectual e a vida de um povo.

Porque sem o aprimoramento devido da inteligência, com certeza somos levados a um retrocesso intelectual, ao ponto de não se poder distinguir o que é ignorância e o que é erro.

Para ilustrar esta assertiva, busco no sermonista, o Pe. Antonio Viera Ravasco, neste ano comemorativo dos seus 400 anos de nascimentos, a referência sobre a cura do cego em Betsaída:

“Pôs o Senhor a mão nos olhos a este cego, e perguntou-lhe se via. Olhou ele, e disse: Video hominis, velut arbores ambulantes. Senhor vejo os homens como árvores que andam de uma parte a outra”.

Conclui-se que: quando o cego passou a ver os homens como árvore estava mais cego do que quando nada via. Portanto, a cegueira mais grave não só a de não saber, mas a de não querer vê-la também pela via do intelecto.

Vejo nesta passagem, senhores e senhoras, confrades e confreiras, membros da Usina de Idéias, a responsabilidade comunitária e essencial da Academia e ela com certeza, neste mundo da pos-modernidade, onde novos paradigmas são estabelecidos, não pode furtar-se a este compromisso.

Senhores e Senhoras.

Não poderia deixar a latere a minha relação afetiva com Pinheiro. Aqui nasci, aprendi as primeiras letras, cursei o ginasial e o colegial, passei minha infância, adolescência e juventude. Aqui também, nasceram, viveram e vive minha ancestralidade.

Terra mãe, moldurada na sua geografia pela escultura da bondade divina, banhada pelo Pericumã, rio manso, sereno e silencioso na sua trajetória pelas barrancas naturais rumo à baía de Cumã.

Torrão enjardinada por campos de chapadas, campos alagadiços, verdajantes e protegida espiritualmente, segundo a parêmia latina - AD MAIORAE DEI GLÓRIAM -, sob os encargos e bênção do padroeiro Santo Inácio de Loiola, chancelada esta atribuição no frontal da Igreja Matriz.

Senhores e senhoras.

Por esta Cadeira de no 16, que ora passo a ocupar, até bem pouco tempo, tomou assento o ilustre acadêmico e intelectual Abílio da Silva Loureiro. Nascido na cidade de Balsas, em 12 de outubro de 1931. Faleceu em São Luis, em 12 de dezembro de 2007. Era filho de: Cícero Loureiro e Maria Gonçala Loureiro. Pinheirense de coração e aqui casou com Inês de Castro Alvim. Autor de várias obras, dentre elas: Nuvens de Prata, Retalhos da Vida e Prece à Lua.

A cadeira 16/ é patroneada pelo Desembargador José Maria de Jesus Marques.

Nasceu o ilustre patrono em São Luis/Ma, no dia 18 de maio de 1918, tendo como pais o senhor Agostinho Ramalho Marques e senhora Maria José Alves Marques.

Curso o primário em Pinheiro e em São Luis fez o curso ginasial e o preparatório.

Primeiramente matriculou-se na Faculdade de Direito do Maranhão, transferindo-se em seguida para a Faculdade de Direito de Pernambuco, onde concluiu, em Recife, no ano de 1934, o bacharelado em Ciências Jurídicas e Sociais. (A faculdade de Direito do Ma, foi fechado por Paulo Ramos e alguns estudantes foram para Recife, dentre eles: Enes de Almeida, Araújo Neto, Judite Pacheco e José Maria Marques – todos chegaram a Desembargador do TJ).

A Faculdade de Pernambuco, hoje Universidade Federal, está conceituada entre as melhores Universidades do Brasil e não só por isso, mas acima de tudo por sua história e tradição no estudo do Direito.

Foi a Faculdade do Recife juntamente com a de São Paulo, no Largo de São Francisco, as primeiras criadas no Brasil, ainda no império de D. Pedro II.

Por Recife passaram expoentes no estudo jurídico que marcaram a vida brasileira. Apenas como citação: Silvio Romero, Cloves Bevilaqua e Tobias Barreto.

A contribuição para o mundo jurídico foi e continua sendo inquestionável, inclusive o projeto do Código Civil de 1916 (Código revogado ha pouco tempo), recebeu fundamentação e sofreu influencia através dos pensadores do Recife, da doutrina alemã, na concepção de Hegel, Kant, Escola de Frankfurt e do materialismo de Haikel.

Em 1945 retornou ao Maranhão, sendo então nomeado Delegado de Policia (por Colares Moreira – chefe de policia) e mais tarde nomeado a Promotor Público (hoje Promotor de Justiça) das comarcas de Icatu, Pinheiro e Caxias.

No ano de 1951 ingressou à carreira da magistratura, passando a judicar na Comarca de Colinas, removido naquele mesmo ano para a Comarca de Guimarães e em, 1959, promovido para a Comarca de Rosário.

No ano de 1961, chega a Caxias como juiz de 3ª entrância e, em 1964, à Comarca de São Luis.

Em 1970 foi nomeado Desembargador para o Tribunal de Justiça do Maranhão.

Dirigiu o Poder Judiciário na condição de Presidente, de fevereiro de 1976 a janeiro de 1978.

Segundo o historiador, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão e da Academia Maranhense de Letras, Desembargador Milson de Sousa Coutinho, em seu livro – História do Tribunal de Justiça do Maranhão (1619/1999), pág.451, 1999, o patrono desta cátedra /fez uma administração voltada para o interesse do Poder Judiciário.

Nesse período administrativo adquiriu o terreno e iniciou construção do Foro de Pinheiro, levando inclusive, o seu nome.

Promoveu concurso público para ingresso na carreira da magistratura não tendo sido aprovado nenhum dos candidatos inscritos, fato que marcou a história do Tribunal de Justiça.

(Na época a magistratura não despertava tanto atrativo como atualmente, e uma das razões era o salário, esse quadro mudou e hoje o salário não proporciona uma vida luxuosa, mas necessária para o exercício da magistratura com dignidade profissional sem comprometer a honra pessoal, nem enlamear a toga ou macular a instituição. OH! Tempores, oh! Moris, dizia Cícero em Hotencius).

Casou em 05 de setembro de 1946, com a senhora Cecília Parga Marques tendo desse consórcio nascidos os filhos – Agostinho Ramalho Marques Neto, Advogado, Professou Doutor da Universidade Federal do Maranhão e José Maria de Jesus Marques Filho, bacharel em Direito, funcionário aposentado do Tribunal de Justiça, onde exerceu por vários anos a função de Diretor Geral.

O patrono da cadeira no 16 – José Maria de Jesus Marques, aposentou como Desembargador do Tribunal de Justiça do Maranhão e faleceu em São Luis, no dia 10 de setembro de 1982.

Senhores e Senhoras acadêmicos,

Finalizando estas minhas palavras, a voz do coração dispensa formalidades. É com o coração que vos falo, vou deixar de lado as regras protocolares e encerro agradecendo a Deus este momento e volta a externar meus sinceros agradecimentos a cada um dos senhores e senhores pela presença neste ato, agradeço a confreira Joana Bitencourt pela saudação e acredito que a benevolência de suas palavras são frutos da amizade.

Agradeço aos confrades e confreiras pela confiança em minha admissão nesta Casa, que com apenas três de existência, tenra idade levando-se em conta a cronologia do tempo, mais que pelos seus propósitos e ideais no preservar e no cultivar da vida e da cultura de Pinheiro, já nasceu vitoriosa, consolidada e madura.

Assim, mesmo trazendo para o acervo desta academia - Lampejos Medievais, Monografias e Breve Histórico sobre a Justiça Militar do Maranhão - o faço com a humildade de quem ainda precisa aprender cada dia mais.

Tomar posse na Academia Pinheirense de Letras, Artes e Ciência é para mim uma honra e uma felicidade.

Senhores e Senhoras, confesso a todos minha felicidade.

Avea a Academia.
Uma boa noite.
E meu muito obrigado.

OBS: Discurso por mim proferido quando tomei posse, em 27/08/08, na Academia Pinheirense de Letras, Artes e Ciências.

DISCURSO DE SAUDAÇÃO DE POSSE PROFERIDO PELA ACADÊMICA JOANA BITENCOURT AO ACADÊMICO JOSÉ DE RIBAMAR CASTRO.

Excelentíssimo Senhor Presidente da Academia Pinheirense de Letras, Artes e Ciências, Senhores Acadêmicos, Autoridades e representantes do Poder Público, Senhoras e senhores aqui presentes, confreiras e confrades.


A Academia Pinheirense de Letras, Artes e Ciências, que no final deste ano estará comemorando o seu terceiro aniversário, tem a honra e a satisfação de receber nesta casa o seu mais novo membro: o digníssimo Sr. Dr. José de Ribamar Castro. Mais uma pena importante em nossa missão de preservar a memória e as tradições da terra, assegurando o cultivo e a sustentabilidade das nossas letras, pois a renovação com olhos voltados para o futuro constituem terreno fértil para as permanentes conquistas literárias.

José de Ribamar Castro nasceu em Pinheiro, cidade banhada pelas águas do Pericumã, onde aprendeu com os bagrinhos, piabas e traíras a entender o milagre submerso da poesia. Era o primeiro filho de uma família de nove irmãos, tendo cursado o primário no Grupo Escolar Odorico Mendes. Depois de estudar o ginásio e parte do científico no Colégio Pinheirense, mudou-se para a capital, concluindo seus estudos no Colégio São Luís.

Desistiu da vocação religiosa, ingressando no mundo profissional como funcionário da Secretaria de Segurança Pública do Estado, onde ocupou a função de Comissário e, após a instalação do Instituto de Criminalística do Maranhão, a de Perito Criminal. Mas, o seu ideal era compreender o homem fora de sua prisão corpórea, na dimensão do espírito livre e criativo, superando a matéria obscura do empirismo sofista pela razão gnosiológica científica, sem jamais abandonar o pensamento crítico.

Graduou-se em Filosofia Plena e Direito na Universidade Federal do Maranhão, onde realizou Curso de Especialização em Filosofia Moderna, tendo posteriormente se especializado em Direito Processual Civil na Universidade Federal de Pernambuco. Realizou, ainda, Estudos Franciscanos na cidade de Assis, Itália, Curso de Atualização em Pedagogia pelo Instituto Latino Americano y Caribeño, em Havana (Cuba) e Curso de Atualização em Pensamento Franciscano pelo Instituto Teológico em Petrópolis, pela PUC do Rio de Janeiro.

Seguindo os atalhos do nobre ofício do Magistério, foi professor dos colégios Ivar Saldanha, Henrique de La Roque, Centro Caixeiral e Liceu Maranhense, além de ter ministrado aulas nos cursos pré-vestibulares Padrão, Castro Alves, Seleção, Cipe, CPA, Meng e José Maria do Amaral. Finalmente, após sua valiosa contribuição aos jovens candidatos à universidade, atinge o grau de Professor Adjunto dos Cursos de Filosofia e Direito da UFMA.

Advogou durante seis anos, antes de ingressar na Magistratura, em 1989, tendo desempenhado a função de Juiz das comarcas de Barão de Grajaú, Pindaré Mirim, Brejo e Coroatá. Em São Luís, assumiu o Juizado Especial de Trânsito, a 3ª Vara Cível e a Auditoria da Justiça Militar, sendo atualmente titular da 1ª Vara da Família.

Foi agraciado com a Medalha Brigadeiro Falcão da Polícia Militar do Estado; a Medalha Alferes Moraes Santos, do Corpo de Bombeiros Militar, e a Medalha Bento Moreira Lima, do Tribunal de Justiça, pelos 10 anos de serviços prestados ao Poder Judiciário. Foi Juiz Eleitoral, chegando a compor a Corte do Tribunal Regional Eleitoral, do qual recebeu ainda a Medalha do Mérito Eleitoral Ministro Arthur Quadros Collares Moreira.

Para nós, da Academia Pinheirense de Letras, as virtudes de José de Ribamar Castro nos enobrecerá não só por seu desempenho no Poder Judiciário e as condecorações recebidas, mas especialmente pelo registro de suas idéias em jurisprudência e pela contribuição didática em suas obras publicadas, entre elas: “Lampejos Medievais”, “Tutela Antecipada” e “Breves Considerações Históricas sobre a Justiça Militar no Maranhão”.

Esta última obra, resultante de sua experiência enquanto Juiz Auditor da Justiça Militar, foi lançada em setembro de 2007, juntamente com “Monografias”, coletânea de trabalhos científicos elaborados por magistrados pós-graduados em Direito Processual Civil pela Escola Superior da Magistratura do Estado do Maranhão. Nessa publicação, José de Ribamar Castro contribui com o texto “A Antecipação da Tutela como Forma de Celeridade da Prestação Jurisdicional no Processo de Conhecimento”.

Como magistrado e professor, há muito Ribamar Castro tem atuado como o fiel da balança. Seguramente a sua experiência diante dos dramas humanos submetidos à espada da Lei o inspirou a suplantar os limites da caverna, onde o Judiciário cumpre o seu nobre papel, até chegar às fronteiras da luz, onde as sombras móveis das instituições humanas não são meras estatuetas, mas a própria humanidade em processo de renovação.

Talvez adotando o exemplo do pai, o conhecido e abnegado enfermeiro pinheirense, Doutor de Memeco, que medicava as famílias em suas próprias casas, seguindo a tradição dos “doutores rurais”, Ribamar Castro peguindo a tradiç do seu pai Poçcinscritas na hist coraçaçda Alemanhapartiu em direção ao povo simples da periferia de São Luís, reforçando nele a idéia aristotélica da liberdade pela autodeterminação, mas com a delicadeza de quem cultiva violetas.

Assim, junto com sua esposa e amigos, tomou a iniciativa de fundar o Centro Beneficente N. S. da Glória, instituição social que, há 18 anos, presta atendimento a crianças e adolescentes palafitados do bairro da Alemanha e comunidades vizinhas, incluindo reforço escolar, dinâmica de leitura e atividades artísticas. O Centro, que hoje atende 230 crianças e 74 idosos, tem ainda a parceria da Faculdade Santa Terezinha, nas áreas de fisioterapia, terapia ocupacional e fonoaudiologia, entre outras e ainda conta com a colaboração de uma Universidade da Alemanha.

O honorável recém-chegado a esta Academia, com seu importante trabalho didático e jurídico, só vem reiterar que a liberdade do espírito não está apenas nele próprio, mas também na necessidade mínima de “festa, trabalho e pão”, como diria o compositor e ex-ministro Gilberto Gil em sua música “Viramundo”. Trocando em miúdos, ninguém vive com dignidade sem acesso à cidadania, ou seja: educação, saúde, cultura, moradia, trabalho e participação política, entre outros direitos.

Neste momento, entretanto, depois de perder a sua condição de Juiz e ser julgado pelo que construiu filosoficamente e escreveu ponderando a dialética de um mundo no fio da navalha, José de Ribamar Castro também ouvirá o nosso veredicto, quando retornar em seu barco de centelhas ao Porto da Faveira.

Se a missão heróica da liberdade condenou e ainda condena tantos intelectuais, artistas, filósofos, cientistas e trabalhadores à tortura ou à morte, tornando-os, por isso, ainda mais vivos, Castro neste momento antecipa a sua imortalidade, pois já o sentenciamos a sentar-se a partir de hoje na cadeira nº. 16, que tem como patrono o desembargador José Maria de Jesus Marques, ex-presidente do Tribunal de Justiça.

Eleito por unanimidade dos votantes, ele ocupará a vaga que pertenceu ao saudoso poeta Abílio da Silva Loureiro. Assim, terá que cumprir a dupla penitência de se deixar iluminar pelos seus antecessores e, ao mesmo tempo, servir de inspiração aos futuros acadêmicos desta casa. Mas, a sua culpa hoje será a sua absolvição, por ter dedicado a vida a essa tarefa interminável de não resignar-se ou curvar-se diante de um gesto desumano. Sim, minhas senhoras e meus senhores, é por causa do livre arbítrio de ser incondicionalmente livres que, como afirmaria Sartre, estamos condenados à liberdade.

E é essa liberdade que nos une aqui e nos faz reverenciar agora o ilustre Juiz e professor José de Ribamar Castro, o que nos torna cúmplices desta aventura humana em defesa dos direitos humanos e pela consolidação da literatura pinheirense, onde a sua obra, que tanto interesse didático tem despertado nas universidades e círculos acadêmicos, se junta à sua franciscana simplicidade para brilhar sobre os campos do Pericumã.

Sente-se à nossa mesa, Castro! Seja bem-vindo! Puxe a cadeira da imortalidade, como um apóstolo das Letras, e sirva-se do pão e do vinho da lealdade com que a Academia Pinheirense de Letras tem homenageado os intelectuais, escritores e artistas que tanto fizeram e fazem pela nossa cultura, muitas das vezes movendo céus e terras com a mesma abnegação e dignidade daqueles que souberam transformar em lança e escudo o próprio coração. Muito obrigada!

sábado, 28 de junho de 2008

CASAMENTO IN EXTREMIS VITAE MOMENTIS

CASAMENTO IN EXTREMIS VITAE MOMENTIS

INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988, elenca, não são númerus clausus, mas exemplificativos, em seu artigo 226: a Família formada pelo Casamento, a União Estável e a Família Monoparental.
Essas espécies do gênero entidade familiar encontram-se em condições de igualdade, mesmo levando-se em consideração o tratamento privilegiado que o atual sistema jurídico atribuiu ao casamento.

Ressalta-se por oportuno, que o Código Civil de 2002 conferiu onze capítulos e setenta e nova artigos ao instituto do casamento. Por outra via, a União Estável, apenas para exemplificar, está descrita em somente quatro artigos e ainda, com menor referencia, a Família Monoparental não obteve por parte do legislador qualquer regulamentação no diploma civil.

É necessária a presença do Estado no ato celebrativo e solene do casamento, por sua natureza jurídica contratual, uma vez disciplinado por norma de ordem pública imperativa, que em hipótese alguma, pode ser afastada por vontade das partes, exigindo assim, formalidade especifica para sua efetivação.

Nesse sentido e para que o casamento civil seja celebrado deve atender certas condições como:

a) - documentação – na forma dos arts. 1.525 a 1.526 do Código Civil;
b - publicação dos Proclamas - art. 1.527;
c – manifestação quanto a impedimentos ou casas suspensiva - arts. 1.528 a 1.530;
d - certidão do Oficial do Registro - art. 1.531.

Dentre as modalidades de casamento, o código Civil enumera o nuncupativo, constituindo uma exceção por dispensar algumas formalidades, dentre elas: o processo de habilitação, a publicação dos proclamas e a própria presença da autoridade celebrante.

Esta é uma modalidade especial de casamento, celebrado em circunstancia emergencial, em face de um dos nubentes apresentar iminente risco de vida.

Para sua realização fica dispensado o uso de procuração para que o nubente doente se faça representar no ato, e por sua vez, ele próprio convoca seis testemunhas e efetiva a manifestação de vontade pela palavra falada.

Por sua vez, as testemunhas convocadas não podem apresentar parentesco em linha reta, esta quer ascendente ou descendente é ab infinitum, ou em linha colateral, até o segundo grau, isto para evitar a possibilidade de oportunismo ante ao estado de saúde do nubente.

Observa-se que no casamento in articulo mortis o formalismo cede lugar à pratica imediata, a fim de atender situação de emergência, que não admite tempo de espera.


SENTENÇA

Processo nº. 881/2008
Requerente: D. P
Ação: Casamento Nuncupativo


Vistos etc.


Trata-se de ação Homologatória de Casamento Nuncupativo promovida por D.P., qualificada na inicial, sob a alegação de ter contraído matrimônio com B. B., quando este se encontrava em iminente risco de vida.

Aduz a autora que o casamento ocorreu em 24 de dezembro de 2007, na presença de seis testemunhas, durante o período de internação do nubente no Hospital Aldenora Belo, onde veio a falecer em 1º de janeiro de 2008.

Informa que o casal já havia dado entrada ao processo de habilitação para o casamento, constando inclusive publicação do edital de proclamas (fl. 25), restando apenas ser designada a data para celebração do ato, o que não ocorreu devido às festas de fim de ano.

Instruíram a inicial os documentos de fls. 06/11 e 13/25.

Designada audiência, nela foram ouvidas a autora, além das testemunhas arroladas na peça inaugural (fls. 37/38).

Instada a manifestar-se, a representante do Ministério Público opinou pela procedência do pedido, conforme parecer de fls. 40.


Eis o relatório. Decido.

Como se depreende dos autos, pretende a autora ver homologado o casamento nuncupativo contraído com B., o qual, embora lúcido, encontrava-se doente em estado grave.

A pretensão da autora tem respaldo no art. 1.540[1] do Código Civil e atende perfeitamente os requisitos do art. 1.541 do mesmo diploma legal, cujo teor a seguir se traslada:

Art. 1.541. Realizado o casamento, devem as testemunhas comparecer perante a autoridade judicial mais próxima, dentro em dez dias, pedindo que lhes tome por termo a declaração de:

I - que foram convocadas por parte do enfermo;
II - que este parecia em perigo de vida, mas em seu juízo;
III - que, em sua presença, declararam os contraentes, livre e espontaneamente, receber-se por marido e mulher.
[...]

Observe-se, ainda, que o pedido foi proposto dentro do prazo previsto pelo artigo supra citado, uma vez que o registro de distribuição data de 16/04/2008.

Assim, percebe-se que o Código Civil abre exceções quanto às formalidades para a validade do casamento, sendo uma delas o iminente risco de vida em que se encontra um dos nubentes.

Autorizada, pois, a dispensa do processo de habilitação e até a presença do celebrante em razão da urgência que o caso requer.

Por ocasião da audiência, afirmou a requerente que conviveu com B por um período de seis anos e que o casamento só não ocorreu devido ao prazo exigido para a publicação do edital, pois nesse ínterim ocorreu o agravamento do estado de saúde do nubente.

Contudo, compulsando os autos, verifica-se que foi juntado ao processo de habilitação atestado médico sobre a sanidade mental do nubente, o qual, não obstante a gravidade de sua doença, revelou encontrar-se o mesmo em “perfeitas faculdades mentais”, inclusive com menção à finalidade do paciente, qual seja anexar o referido atestado ao processo de habilitação.

Com efeito, as seis testemunhas inquiridas em audiência própria afirmaram, unissonamente, que o casal vivia junto há seis anos, não possuíam impedimento para casar e que, por livre e espontânea vontade, desejavam contrair matrimônio.


Eis alguns trechos que merecem destaque:

“[...] que tem conhecimento que a requerente e seu companheiro B conviveram por um período de seis anos; que a requerente era solteira; que B era solteiro;[...] que a requerente e B já estavam se preparando para casar; que quando visitou B no Hospital Aldenora Belo, manifestou a vontade de casar com a requerente” (R. M., fl. 37)

“[...] que não é parente da requerente e de B; que tem conhecimento de que B já tinha dado entrada nos documentos para casar; que a entrada nos papéis de casamento foi antes de B ficar hospitalizado; que B masnifestou ao depoente várias vezes a vontade de casar” (J. A, fl. 37)

“que não é parente da requerente e de B; que a requerente e B conviveram por quase sete anos; que não tiveram filhos; que tem informação de que B e a requerente já haviam providenciado os papéis para casarem” (F. H., fl. 38)

Cumpre ressaltar que todas as testemunhas arroladas e inquiridas não possuíam qualquer grau de parentesco em linha reta ou na colateral até o segundo grau, em respeito ao disposto no art. 1.540 do CC.

De se notar, ainda, que o processo de habilitação para o casamento já estava em vias de concretização, conforme se vê da documentação acostada aos autos.

O Ministério Público, atuando como custus legis, manifestou-se favorável à homologação do casamento nuncupativo, “considerando que o presente feito atende aos requisitos dispostos no art. 1.540 e 1.541 do CC” (Parecer Ministerial de fl. 40).

Posto isso, com espeque nos dispositivos legais acima mencionados e em conformidade com o entendimento ministerial, homologo o matrimônio contraído por D e B, para que surta seus jurídicos e legais efeitos, devendo, para tanto, serem feitas as anotações e averbações e, após o trânsito em julgado, oficie-se ao Cartório de Registro Civil competente para que proceda ao devido registro.

Sem custas face ao pedido de Assistência Judiciária que ora defiro.

Publique-se. Registre-se. Intime-se.

Ciência ao Ministério Público.

São Luís, 26 de junho de 2008.

José de Ribamar Castro
Juiz de Direito
1ª Vara de Família


[1] Art. 1.540. Quando algum dos contraentes estiver em iminente risco de vida, não obtendo a presença da autoridade à qual incumba presidir o ato, nem a de seu substituto, poderá o casamento ser celebrado na presença de seis testemunhas, que com os nubentes não tenham parentesco em linha reta, ou, na colateral, até segundo grau.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

União Homoafetiva

Processo n.º 0000/2008
Requerente: M. S
Requerida: N.G.
Ação de dissolução de sociedade homoafetiva


Vistos etc.


Cuida-se de ação de dissolução de sociedade homoafetiva c/c partilha de bens, promovida por M. S., através de advogado constituído, contra N. G. devidamente qualificadas nos autos.

Aduz a requerente que manteve um relacionamento homoafetivo com a requerida por um período de dezoito anos, durante o qual compartilharam o mesmo lar e construíram patrimônio em comum, formado pela casa e pelos móveis que a guarnecem.

Relata, porém, que a requerida iniciou outra relação amorosa, fato que não foi bem aceito pela autora e que tornou insuportável a continuidade da união.

Inconformada pela traição e, diante das várias agressões físicas e morais, a requerente relata que foi obrigada a deixar a residência, separando-se de fato da requerida.

Pugnou, por fim, pelo reconhecimento e dissolução da sociedade e, consequentemente, pela partilha igualitária dos bens adquiridos durante a união.

Distribuídos, inicialmente, à 6ª Vara Cível, foram os autos remetidos a este Juízo em decorrência da competência para o processamento e julgamento do feito.

Com vista dos autos, a representante do Ministério Público opinou pelo retorno dos autos à vara de origem, o que foi corroborado por outro parecer de fls. 50 – v.

Através da decisão de fls. 52, foi decidida a controvérsia acerca da competência do feito e determinada, via de conseqüência, a permanência dos autos nesta Vara de Família.

Audiência de conciliação às fls. 66, na qual não houve acordo.

Contestação às fls. 71/82 e réplica às fls. 89/92.

Suspensa a audiência de instrução e julgamento, para análise das preliminares argüidas, foram estas rejeitas, conforme decisão de fls. 105/106.

A requerente informou, através da petição de fls. 111, que a requerida vendeu a casa, um dos objetos do litígio.

Audiência de instrução e julgamento às fls. 119/122, na qual foram ouvidas as testemunhas arroladas pelas partes.

Alegações finais da autora às fls. 126/130 e da requerida às fls. 132/137.

Instada a se manifestar, a representante do Ministério Público opinou pela partilha do bem, mas levando em consideração a existência de uma sociedade de fato, conforme parecer de fls. 134/145.


É o relatório. Decido.


Ousadas são as decisões que envolvem direitos de homossexuais, muito embora já sejam, há algum tempo, alvo de variadas jurisprudências, que reconhecem direitos e geram, via de conseqüência, grandes questionamentos e debates em todas as esferas do Direito.

De fato, tem se tornado comum o entendimento de que é inadmissível a análise de questões - sejam ou não de direito de família – baseadas exclusivamente no comportamento sexual de determinada pessoa, como se a aplicação de normas e princípios fosse algo pessoal.

Assim, a orientação sexual de qualquer cidadão, vista como sua expressão máxima de liberdade individual, tem sido respeitada e resguardada em muitos julgados, fato que tem sido comemorado dentre aqueles que defendem, acima de tudo, a dignidade da pessoa humana.

Com efeito, parece óbvio que um Estado que se intitula democrático de direito tenha por obrigação o respeito a seus princípios, devendo a Constituição Federal tutelar as garantias, direitos e liberdades fundamentais, especialmente quando não se há sequer regulamentação legal.


Por esta razão, a normatização dos vínculos afetivos homossexuais, com a respectiva atribuição de direitos e a definição de obrigações, é medida que urge, revelando-se imprescindível o papel do legislativo, uma vez que preenche o espaço da indefinição dos valores e vincula o julgador quando do exame dos casos concretos, retirando a subjetividade das decisões preconceituosas e arbitrárias.

Entrementes, embora a Constituição Federal identifique como objetivo principal da república a promoção do bem de todos sem preconceitos de sexo[1], não há qualquer referência quanto à orientação sexual, quer permissiva, quer proibitória.

Não é também dirigida à orientação sexual a proibição que é direcionada à discriminação de salário e exercício de funções em razão do sexo[2], pelo que ficam os homossexuais desprovidos de proteção constitucional que, em regra, é a todos deferida.

Mas não se pode só se lamentar. Os operadores do direito devem, sob pena de afronta ao princípio da inafastabilidade[3], pronunciarem-se a respeito, invocando-se princípios constitucionais que impõem respeito à dignidade, à liberdade e à igualdade.

Ademais, é inconcebível que orientação sexual das partes leve o magistrado a deixar de decidir, sonegar jurisdição, como se com isso o fato fosse simplesmente desaparecer.

Guimarães[4] sustenta que:

Infelizmente se vive numa sociedade que estigmatiza e ridiculariza as pessoas que exercem uma orientação sexual diferente. [...] Não é negando direitos à união homossexual que vamos fazer desaparecer o homossexualismo. Os fundamentos destas uniões são assemelhados aos do casamento ou da união estável. O vínculo que os une, à semelhança dos demais casais, é o afeto, que gera efeitos jurídicos.

Note-se que, a despeito do reconhecimento das uniões já ter ocorrido em outros países[5] está, até hoje, afastado da realidade constitucional brasileira, o que não impediu, porém, o surgimento de normas infraconstitucionais[6] esparsas, bem como de outros direitos que já estão sendo assegurados.

Deste modo, pôde-se perceber que o foco deixou de ser unicamente a norma positivada e passou a ser o próprio ser humano, desta vez, analisado sob o aspecto da dignidade. É o que Dias[7] chama de harmonia do Estado Democrático de Direito com os anseios do cidadão no qual:

[...] o resultado não poderia ser outro senão a contaminação dos cânones constitucionais não só no direito legislado, mas também nas situações em que a falta de legislação levava ao não reconhecimento de direitos.

Em qualquer caso, o que não se pode é negar direitos, nem dar tratamento diferenciado sob a justificativa de que não há regra jurídica. Ainda que a lei seja omissa, deve-se fazer uso da analogia, dos costumes e dos princípios gerais do direito[8], através dos quais se busca atender ao fim social e às exigências do bem comum.

Assim, a limitação, quer constitucional, quer legal, não tem o condão de deixar à margem de proteção jurisdicional os relacionamentos homossexuais, de modo que há de aplicar à esta união a mesma disciplina jurídica do caso semelhante, que foi devidamente regulamentado.


Este é o conceito de analogia, para a qual há a necessidade de haver, entre a norma positivada e a não contemplada, certa identidade na essência ou nos fatos que levaram o legislador a elaborar o dispositivo que estabeleceu a situação beneficiada.

In casu, a depender do entendimento acolhido, dois são os institutos jurídicos usualmente utilizados como paradigma, os quais buscam, cada um a seu modo, definir o regime jurídico advindo de uma relação homoafetiva.

Justamente em virtude da duplicidade de entendimento, muito se discutiu nesse processo sobre qual dos institutos seria capaz de melhor traduzir a natureza jurídica da mencionada relação e, via de conseqüência, qual o juízo competente para seu processamento e julgamento.

Nunca foi sustentado, porém, que uma relação familiar – independente de sua formação ou do nome que leva – vale, em primeiro lugar, pelo vínculo afetivo que forma e, em segundo, pelas conseqüências que geram, resguardando direitos daqueles que dela participam.

É que muitos, estranhamente, ainda não estão habituados com as novas perspectivas do direito de família, o que torna até compreensível que a interpretação das normas e princípios respectivos, seja, em geral, de lenta maturação.

Pois bem. O primeiro dos institutos é a sociedade de fato. Em análise dos autos, verificou-se que não há qualquer possibilidade de se conferir natureza jurídica de sociedade de fato (art. 981 CC)[9] à presente relação.

Referida sociedade vislumbra apenas um vínculo negocial, como se o objetivo do “contrato da sociedade” fosse uma obrigação de bens e de serviços para o exercício de uma atividade econômica e não uma relação afetiva com características de uma família, como se observou no caso em análise.

Note-se que a própria autora, talvez em atenção ao tratamento discriminatório que vem sendo dado aos homossexuais, conferiu ao seu pedido inicial natureza negocial, como se relacionamentos amorosos fosse prerrogativa exclusiva de casais heterossexuais.

Porém, ao relatar os fatos, a suplicante, em nenhum momento, empregou natureza comercial ao seu relacionamento, mas ao contrário, fez questão de frisar a forte relação afetiva vivida entre ambas.

De fato, foram efetivamente vislumbradas, através dos depoimentos das testemunhas e demais provas carreadas aos autos, características típicas de uma entidade familiar, tais como residência em comum e convivência pública e duradoura, fatos que a distanciam da analogia preconceituosa que usualmente é feita com a sociedade de fato.

Nesses casos, haja vista sua inclusão no âmbito no direito obrigacional, a conseqüência é a negativa de direitos, alguns exclusivos do Direito de Família (como alimentos e partilha) e outros próprios do Direito Sucessório (como direito real de habitação, herança e usufruto sobre a metade dos bens disponíveis).

Dessa forma, chegar-se-ia à esdrúxula situação na qual:

[...] a depender da identidade ou da diversidade sexual dos parceiros, diferenciada é a tutela jurisdicional que lhes será outorgada. Buscado o judiciário para o reconhecimento dos efeitos decorrente da união, certamente diversas serão as soluções de ordem pessoal e patrimonial se for o par do mesmo ou de distinto sexo. (DIAS[10]).

Desta forma, caso se considere uma entidade homoafetiva apenas como sociedade de fato, apesar de idênticos os comportamentos dos conviventes e a natureza afetiva do vinculo que os une, cada qual receberá tratamento diferenciado do Judiciário, o que afronta claramente o princípio da igualdade.

Por outro lado, verifica-se que a união homoafetiva se amolda claramente ao instituto da união estável, o segundo dos paradigmas elencados.

Prevista nos artigos 226, §3º da Constituição Federal[11] e 1.723 do Código Civil[12], a união estável em nada se diferencia, a exceção da relação homem-mulher, das uniões homoafetiva, desde que caracterizados os requisitos da publicidade, durabilidade, continuidade e intuito de formação de entidade familiar.
Induvidosamente, a semelhança relevante de ambos os relacionamentos é o afeto informal. Os dois institutos centram-se em relações interpessoais de amor comum entre os parceiros.

Esse é o entendimento de Giorgis[13]:

É que o amor e o afeto independem de sexo, cor ou raça, sendo preciso que se enfrente o problema, deixando de fazer vistas grossas a uma realidade que bate à porta da hodiernidade, e mesmo que a situação não se enquadre nos moldes da relação estável padronizada, não se abdica à união homossexual os mesmos efeitos dela.

No caso, temos um conjunto de normas (princípios constitucionais explícitos mais a lei da União Estável) das quais é perfeitamente possível a extração de elementos que possibilitem sua aplicabilidade ao caso não previsto, mas similar.

E malgrado haja o entendimento de que a redação constante nos dispositivos acima mencionados - cujo conteúdo faz referência expressa aos sujeitos da relação (homem e mulher) - seria óbice à aplicação do regime jurídico próprio da união estável, há que se relembrar que os princípios constitucionais, quando em confronto com as normas, devem prevalecer sobre estas, eis que fontes primeiras do Direito.
Assim, os homossexuais, quando em situações análogas, merecem a mesma proteção conferida aos heterossexuais, uma vez que também são merecedores da tutela concedida pelo princípio da dignidade da pessoa humana, bem como têm direito de ser aquilo que desejam ser, com a devida proteção da ordem jurídica.

Não há que se reconhecer como menor uma relação entre duas pessoas, só porque de mesmo sexo, levando-se em conta o paradigma das relações heterossexuais. Ainda que a corrente seja a da heterossexualidade, o paradigma aqui deve ser o do gênero humano, em atenção à tolerância e ao respeito à diferença e à diversidade comportamental.

Pertinente o entendimento do Des. Luiz Ari Azambuja Ramos:

[...] Pouco importa se hetero ou homoafetiva é a relação. Importa que seja a troca ou o compartilhamento de afeto, de sentimento, de carinho e de ternura entre duas pessoas humanas. Importa que siga os elementos da união estável, mas que seus sujeitos sejam não somente o homem e a mulher, como também o homem e o homem e a mulher e a mulher. Negar-lhes esse direito é desprezar sua natureza humana e limitar a pessoa que são. (Ap. Cível n. 70021085691 TJRS).

Deste modo, quer em respeito à dignidade da pessoa humana, quer pela necessidade de obedecer-se ao princípio da liberdade e da igualdade, devem as uniões homoafetivas ser inseridas no âmbito de proteção como entidade familiar.

Outro não é o entendimento jurisprudencial pátrio, senão veja-se:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOSSEXUAL. RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL. SEPARAÇÃO DE FATO DO CONVIVENTE CASADO. PARTILHA DE BENS. ALIMENTOS. União homossexual: lacuna do Direito. O ordenamento jurídico brasileiro não disciplina expressamente a respeito da relação afetiva estável entre pessoas do mesmo sexo. Da mesma forma, a lei brasileira não proíbe a relação entre duas pessoas do mesmo sexo. Logo, está-se diante de lacuna do direito. Na colmatação da lacuna, cumpre recorrer à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito, em cumprimento ao art. 126 do CPC e art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil. Na busca da melhor analogia, o instituto jurídico, não é a sociedade de fato. A melhor analogia, no caso, é a com a união estável. O par homossexual não se une por razões econômicas. Tanto nos companheiros heterossexuais como no par homossexual se encontra, como dado fundamental da união, uma relação que se funda no amor, sendo ambas relações de índole emotiva, sentimental e afetiva. Na aplicação dos princípios gerais do direito a uniões homossexuais se vê protegida, pelo primado da dignidade da pessoa humana e do direito de cada um exercer com plenitude aquilo que é próprio de sua condição. Somente dessa forma se cumprirá à risca, o comando constitucional da não discriminação por sexo. A análise dos costumes não pode discrepar do projeto de uma sociedade que se pretende democrática, pluralista e que repudia a intolerância e o preconceito. [...] Reconhecimento de que a união de pessoas do mesmo sexo gera as mesmas conseqüências previstas na união estável. Negar esse direito às pessoas por causa da condição e orientação homossexual é limitar em dignidade a pessoa que são. A união homossexual no caso concreto. Uma vez presentes os pressupostos constitutivos da união estável (art. 1.723 do CC) [...] de rigor o reconhecimento da união estável homossexual, em face dos princípios constitucionais vigentes, centrados na valorização do ser humano. Via de conseqüência, as repercussões jurídicas, verificadas na união homossexual, tal como a partilha dos bens, em face do princípio da isonomia, são as mesmas que decorrem da união heterossexual. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70021637145, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 13/12/2007).

Por certo, ao menos até que o legislador regulamente as uniões homossexuais, incumbe ao judiciário emprestar-lhe juridicidade e assegurarem-se os mesmos direitos que merecem as demais relações afetivas, notadamente os patrimoniais.

Assim, analisado qual o paradigma a ser utilizado, há que se verificar se o caso em comento coaduna-se efetivamente ao modelo previsto para união estável.

Senão vejamos:

Restou notória a convivência pública do relacionamento, que além de confirmado pela requerida, foi corroborado pelas testemunhas, que ratificaram a inicial e confirmaram que ambas empreendiam esforços para manutenção de vida em comum e para a realização de um projeto de vida a dois.

Eis os excertos que merecem destaque:

Que conviveu com a requerente por um período de dez anos com a requerente, que a convivência era “marital” [...]. Que antes de se mudarem para a Cidade operária moravam em um quarto alugado, no Canto da Fabril. (Requerida, fls. 119).

Que tem conhecimento que a requerente e a requerida conviveram em situação “marital”; que o relacionamento foi de mais de quinze anos; que a casa da cidade operária foi ocupada pelas partes. (S. M, fls. 120).

Que tem conhecimento que a requerente e a requerida conviveram num período de dezoito anos; que o relacionamento [...] era como se fosse “marital”; (F. P., fls. 121).

Outrossim, verificou-se também mútuo consenso para permanência da união, consubstanciado na livre formação da vida em comum, que perdurou, por no mínimo dez anos, conforme consta dos autos.

Restaram ainda configurados os requisitos da unicidade de vínculo e da estabilidade, uma vez que se constatou que além de duradoura e sólida (não efêmera, portanto), a união entre as conviventes era a única, haja vista o compromisso com o caráter monogâmico da relação, que só se desfez, quando da saída da requerente da residência do casal.

Também ficaram comprovados os requisitos da continuidade, haja vista que não foram verificados afastamentos temporários, permanecendo a união ao longo de todo o período convivido e, o do objetivo de constituição de família, o qual implica no elemento anímico e consciente no propósito de formação de entidade familiar, evidenciado pela longa duração da união.

Com efeito, se as partes passaram a ter uma vida em comum, cumprindo os deveres de assistência mútua e com o objetivo de construírem um lar, esse vínculo, independentemente do sexo do casal, gerou direitos e obrigações, típicos de qualquer entidade familiar, não comportando qualquer julgamento do magistrado no que toca às opções de vida das partes.

Por outro lado, no que refere à partilha do bem do casal, verifica-se que ficou comprovado, inclusive através do depoimento da requerida (fls. 119), que este foi adquirido na vigência da união, uma vez que as partes passaram a residir juntas e na mesma época na casa objeto do litígio, sendo forçoso o deferimento da partilha.

E não há que se mensurar se houve ou não esforço mútuo, eis que, em se tratando de situação análoga à união estável, a colaboração se presume, levando-se em conta que o bem foi adquirido durante a união, momento em que ambos os conviventes, seja ou não financeiramente, despenderam esforços para aquisição e conservação do bem, não havendo que se falar da aplicação da súmula 380 do STF[14].

A jurisprudência não é pacífica, mas já há significativos julgados, senão vejamos:

UNIÃO HOMOSSEXUAL. RECONHECIMENTO. PARTILHA DO PATRIMÔNIO. MEAÇÃO. PARADIGMA. Não se permite mais o farisaísmo de desconhecer a existência de união entre pessoas do mesmo sexo e a produção de efeitos jurídicos derivados dessas relações homoafetivas. Embora permeadas de preconceitos, são realidades que o Judiciário não pode ignorar, mesmo em sua natural atividades retardatária. Nelas remanescem conseqüências semelhantes às que vigoram nas relações de afeto, buscando-se sempre a aplicação da analogia e dos princípios gerais do Direito, relevados sempre os princípios constitucionais da dignidade humanidade e da igualdade. Desta forma, o patrimônio havido na constância do relacionamento dever ser partilhado como na união estável, paradigma supletivo onde se debruça a melhor hermenêutica. Apelação provida em parte, por maioria, para assegurar a divisão do acervo entre os parceiros. (TJRGS – AC 70001388982- 7º c. Cível, Rel. José Carlos T. Giorgis – j. 1/03/2000).

AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO CUMULADA COM PARTILHA. DEMANDA JULGADA PROCEDENTE. RECURSO IMPROVIDO. Aplicando-se analogicamente a Lei 9. 278/96, a recorrente e sua companheira tem direito assegurado de partilhar os bens adquiridos durante a convivência, ainda que tratando-se de pessoas do mesmo sexo, desde que dissolvida a união estável. [...] ( TJBA – AC 16313-9/99 – 3ª C.Cível – Rel. Des. Mário Albiano – j. 4/4/2001).

Deste modo, o imóvel pertence a ambas, em consonância ao que dispõe o artigo art. 5° da Lei 9278/96[15] e, haja vista que este já foi vendido pelo valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), conforme consta do documento de fls. 123, a requerida deverá pagar a importância referente à metade do valor da venda do imóvel.

Do exposto, julgo procedente o pedido para declarar e desconstituir a união homoafetiva existente entre M. S. e N. G. e o faço, por analogia, com fulcro nos artigos 1º, III c/c art. 3º, IV, art. 5º, caput da Constituição Federal, além do artigo 5º da Lei 9478/96, devendo para tanto a requerida, partilhar igualmente o valor referente ao imóvel pertencente a ambas.

Sem custas face ao pedido de assistência judiciária que ora defiro.

Após o trânsito em julgado, arquive-se com as anotações de praxe.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

São Luís, 09 de junho de 2008.

José de Ribamar Castro
Juiz de Direito
1ª Vara de Família
[1] Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
[2] Art. 7º. [...].
XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;
[3] Art. 5º. [...] XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
[4] GUIMARÃES. Marilene Silveira. Homossexualidade: discussões jurídicas e psicológicas. Curitiba: Juruá, 2001, p. 104.
[5]Nos países da Dinamarca, Noruega, Suécia, Finlândia, Alemanha, Inglaterra, Estados Unidos (alguns estados), Portugal e outros a parceria homossexual já é reconhecida legalmente e, em alguns deles, já há inclusive a permissão de registro civil da união. (DIAS, p. 46/47).
[6] Os Estados de Alagoas e Pará promoveram emenda às respectivas constituições vedando discriminação por orientação sexual. Também os Estados de São Paulo (Lei n. 10.948/2001), Minas Gerais (Lei n. 14.170/2002), Rio de Janeiro (Lei n. 3.406/2002), Piauí (Lei n. 5.431/2004), Santa Catarina (Lei n. 12.574/2002), Rio Grande do Sul (Lei n. 11872/2002), Distrito Federal (Lei n. 2.615/2000) e Bahia (Lei n. 5.275/1997) editaram leis estabelecendo punições e penalidades a atitudes discriminatórias em virtude de orientação sexual.
[7] DIAS. Maria Berenice. União Homossexual: o preconceito e a justiça. 3 ed. Ver. Atual. Porto alegre: Livraria do Advogado Ed., 2006, p. 17.
[8] Art. 126 CPC. O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.
Art. 4º. LICC. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
[9] Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.
[10] Ob. cit. p. 89.
[11] Art. 226. [...]
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
[12] Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
[13] GIORGIS, José Carlos Teixeira. A relação homoerótica e a partilha de bens - Homossexualidade – Discussões Jurídicas e Psicológicas - Instituto Interdisciplinar de Direito de Família - IDEF, Editora Juruá, Curitiba/PR, 2001.

[14] Súmula 380 STF. Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.
[15] Art. 5°. Os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes, na constância da união estável e a título oneroso, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação em contrato escrito.
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
Sessão do dia 18 de dezembro de 2008.
APELAÇÃO CÍVEL N.º 00000/2008 – SÃO LUÍS
Apelante: N. G.
Advogado:
Apelada: M. S.
Advogado:
Relator: Des. Cleones Carvalho Cunha
Revisora: Desª Nelma Sarney Costa


ACÓRDÃO N.º 78.417/2008


E M E N TA

CONSTITUCIONAL. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO. RELAÇÃO HOMOAFETIVA. DIREITO DE FAMÍLIA. APLICAÇÃO. UNIÃO ESTÁVEL. EQUIVALÊNCIA. PRECEDENTES DO STJ. COMPETÊNCIA. VARA DE FAMÍLIA. PARTILHA IGUALITÁRIA DOS BENS ADQUIRIDOS DURANTE A CONVIVÊNCIA. ARTS. 1º E 5º DA LEI Nº 9278/96. NÃO PROVIMENTO.

I – O STJ, recentemente, através da 4ª Turma, decidiu que a ação que busca a declaração de união estável na relação homoafetiva deve ser analisada à luz do Direito de Família, sendo competentes, portanto, as Varas de Família para processo e julgamento do feito;

II – equiparando-se tal relação homoafetiva à união estável, nos termos do art. 1º da Lei nº 9278/96, deve ser mantida incólume a sentença que, à luz do art. 5º da referida lei, dissolveu a união e determinou a partilha igualitária dos bens;

III – apelação não provida.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Desembargadores da Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, unanimemente e de acordo com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, em negarem provimento ao apelo, nos termos do voto do Desembargador Relator.

Participaram do julgamento os Senhores Desembargadores Cleones Carvalho Cunha, Nelma Sarney Costa e Cleonice Silva Freire.

Funcionou pela Procuradoria Geral de Justiça a Drª Ana Lídia de Mello e Silva Moraes.

São Luís, 18 de dezembro de 2008.

Desembargadora CLEONICE SILVA FREIRE
PRESIDENTE

Desembargador CLEONES CARVALHO CUNHA
RELATOR

R E L A T Ó R I O

Adoto como relatório aquele constante do parecer da Douta Procuradoria Geral de Justiça de fls. 199/207, o qual passo a transcrever, ipsis litteris:

Cuida-se de Apelação Cível interposta por N. G. contra sentença (fls. 145/162) proferida pelo Juiz de Direito da Primeira Vara de Família da Capital, que, nos autos de Ação de dissolução de sociedade de fato c/c partilha de bens (processo n.º 8729/2004), julgou procedente o pedido de M. S. declarando e desconstituindo união homoafetiva existente entre as partes e condenado N. G. a partilhar igualitariamente o valor referente à venda de imóvel pertencente a ambas. Sem custas judiciais face concessão da assistência judiciária gratuita.
Em exordial de fls. 04/22, aduziu M. S. que manteve um relacionamento homoafetivo com N. G. por um período de 18 (dezoito) anos, durante o qual compartilharam o mesmo lar e construíram patrimônio em comum, composto por um bem imóvel e pelos bens móveis que lhes guarneciam. Relatou, ainda, que N. G. iniciou outra relação amorosa, o que tornou insuportável a continuidade da convivência. Diante da situação fática, M. S. expôs que foi obrigada a deixar a residência e separar-se de fato de N. G.

Por tais razões, pugnou pelo reconhecimento e pela dissolução da sociedade e, consequentemente, pela partilha equitativa dos bens adquiridos durante a relação.

Juntou documentos de fls. 23/33.

Juiz de Direito da Sexta Vara Cível, em despacho de fl. 34, declinou da competência remetendo os autos para cartório de distribuição. Foram os autos remetidos à Primeira Vara de Família.

O representante do Ministério Pública, em duas manifestações de fls. 41/43 e 137/143, opinou pelo retorno dos autos à Vara de origem.

Em despacho de fls. 52/54, o juízo a quo decidiu acerca da competência para processamento e julgamento da ação, determinando a permanência dos autos na Primeira Vara de Família.

Em contestação de fls. 71/82, N. G. requereu procedência das preliminares de nulidade absoluta e de incompetência de juízo em razão da matéria, bem como requereu, no mérito, a improcedência total dos pedidos formulados na petição inicial.

Na réplica de fls. 87/90, M. S. requereu a impugnação das preliminares argüidas na contestação e reiterou os pedidos da inicial.
Suspensa a audiência de instrução e julgamento, fl. 101, para análise das preliminares de nulidade absoluta do processo e incompetência do juízo em razão da matéria argüida por N. G., sendo estas rejeitadas, conforme decisão de fls. 103/104.

M. S., à fl. 109, informou que N. G. havia vendido o imóvel, objeto do litígio.

Alegações finais apresentadas por M. S., fls. 124/128, onde reiterou os termos da inicial.

Alegações finais apresentadas por N. G., fls. 130/135, onde reiterou os termos da contestação.

O Juiz de Direito da Primeira Vara de Família da Capital, prolatou sentença (fls. 145/162), na qual julgou procedente o pedido de M. S. declarando e desconstituindo união homoafetiva existente entre as partes e condenando N. G., a partilhar igualitariamente o valor referente à venda de imóvel pertencente a ambas.

N. G. interpôs Recurso de Apelação, fls. 166/172, no qual requereu em suas razões recursais a anulação da sentença guerreada, com a conseqüente remessa dos autos a uma das Varas Cíveis da Capital, e a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita.

M. S. ofertou suas contra-razões, fls. 179/190, pugnando pela manutenção in totum da sentença recorrida e pelo indeferimento do pedido de assistência judiciária gratuita.


A Procuradoria Geral de Justiça, em parecer da lavra da Drª Sâmara Ascar Sauáia, manifestou-se pelo não provimento do presente apelo, mantendo incólume a sentença recorrida.

É o relatório.


V O T O

Presentes os requisitos de admissibilidade recursal (fl. 192), conheço do apelo.

Consoante acima relatado, visa o presente recurso à reforma da sentença de fls. 145/162, proferida pelo MM. Juiz da 1ª Vara de Família da Capital que, nos autos da Ação de Dissolução de Sociedade de Fato c/c Partilha de Bens n.º 8729/2004, julgou procedente o pleito para declarar e desconstituir a união homoafetiva existente entre as partes do presente recurso e ordenou, ainda, que fosse efetivada a partilha, em igualdade, do valor referente ao imóvel pertencente a ambas.

Analisando os presentes autos, verifico que as razões expendidas pela apelante demonstram, tão-somente, claro inconformismo com o que restou decidido em primeiro grau, na irreparável sentença monocrática. Até mesmo porque, a irresignação da recorrente limita-se a argüir a suposta incompetência do juízo da vara de família para julgar dissolução de sociedade de fato entre pessoas do mesmo sexo, o que tornaria nula a sentença de primeiro grau.

Quanto a esse aspecto, o STJ, recentemente, através da Quarta Turma, decidiu que a Justiça do Rio de Janeiro deverá apreciar, na Vara de Família, uma ação que busca a declaração de união estável entre um casal de homossexuais. Essa decisão, a despeito de não ter reconhecido a união estável homossexual, mas a possibilidade jurídica da ação, estabeleceu que inexiste vedação legal para que prossiga o julgamento do pedido de declaração e possibilitou que o pedido fosse analisado em primeira instância do ponto de vista do direito de família. Vale trazer à baila a ementa jurisprudencial referente a tal julgamento, in verbis:

PROCESSO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO HOMOAFETIVA. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. OFENSA NÃO CARACTERIZADA AO ARTIGO 132, DO CPC. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ARTIGOS 1º DA LEI 9.278/96 E 1.723 E 1.724 DO CÓDIGO CIVIL. ALEGAÇÃO DE LACUNA LEGISLATIVA. POSSIBILIDADE DE EMPREGO DA ANALOGIA COMO MÉTODO INTEGRATIVO. 1. Não há ofensa ao princípio da identidade física do juiz, se a magistrada que presidiu a colheita antecipada das provas estava em gozo de férias, quando da prolação da sentença, máxime porque diferentes os pedidos contidos nas ações principal e cautelar. 2. O entendimento assente nesta Corte, quanto a possibilidade jurídica do pedido, corresponde a inexistência de vedação explícita no ordenamento jurídico para o ajuizamento da demanda proposta. 3. A despeito da controvérsia em relação à matéria de fundo, o fato é que, para a hipótese em apreço, onde se pretende a declaração de união homoafetiva, não existe vedação legal para o prosseguimento do feito. 4. Os dispositivos legais limitam-se a estabelecer a possibilidade de união estável entre homem e mulher, dês que preencham as condições impostas pela lei, quais sejam, convivência pública, duradoura e contínua, sem, contudo, proibir a união entre dois homens ou duas mulheres. Poderia o legislador, caso desejasse, utilizar expressão restritiva, de modo a impedir que a união entre pessoas de idêntico sexo ficasse definitivamente excluída da abrangência legal. Contudo, assim não procedeu. 5. É possível, portanto, que o magistrado de primeiro grau entenda existir lacuna legislativa, uma vez que a matéria, conquanto derive de situação fática conhecida de todos, ainda não foi expressamente regulada. 6. Ao julgador é vedado eximir-se de prestar jurisdição sob o argumento de ausência de previsão legal. Admite-se, se for o caso, a integração mediante o uso da analogia, a fim de alcançar casos não expressamente contemplados, mas cuja essência coincida com outros tratados pelo legislador. 7. Recurso especial conhecido e provido. (STJ. Resp. 820.475/RJ; Quarta Turma; Rel. Min. Luis Felipe Salomão; Data Julgamento: 02.09.2008)


Nesse passo, independentemente de reconhecer ou não a união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, o fato é que o STJ, ao assentar entendimento no sentido da possibilidade de discussão de tais relações, acabou por definir a questão da competência, atribuindo-a às Varas de Família, por entender que a ótica da situação deveria ser tida à luz do Direito de Família.

Daí porque não deve prosperar qualquer alegação de nulidade da sentença ou mesmo do processamento do feito em primeiro grau, pois, apesar de, no caso dos autos, o pedido ser de dissolução de união homoafetiva, para tanto, fez-se necessário que primeiro se declarasse a existência de tal união para, posteriormente, fosse determinada sua desconstituição (fls. 145/162). Sendo perfeitamente coerente, assim, a análise do feito pelo Juízo da Vara de Família da Capital.

Ultrapassada essa questão, quanto ao mérito, é cediço que a Constituição Federal, desde 1988[1], já reconhecia a união estável entre homem e mulher como entidade familiar, e a Lei n.º 9278/1996, em complemento, já dispunha, por seu turno, no art. 1º, in verbis:

É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família.

Ademais, o novo Código Civil, em seus arts. 1.723 e 1.724 é cristalino ao prescrever:

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência
pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de
constituição de família.

Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e
de guarda, sustento e educação dos filhos.


Já a doutrina, fazendo uma análise comparativa dos dispositivos acima referidos, preconiza que para caracterização da união estável devem estar presentes quatro elementos essenciais, a saber: 1) a dualidade de sexos; 2) o conteúdo mínimo da relação; 3) a estabilidade e 4) a publicidade.

Ocorre que, a despeito dessa primeira condição imposta referir-se à dualidade de sexo, na linha do que vem sustentando o STJ, os artigos em comento limitam-se a estabelecer a possibilidade de união estável entre homem e mulher, desde que preencham as condições impostas pela lei, sem, contudo, proibir a união entre dois homens ou duas mulheres. No escólio do Min. Luis Felipe Salomão, in verbis:

O objetivo da lei é conferir aos companheiros os direitos e deveres trazidos pelo artigo 2º (Lei n. 9.278/96), não existindo qualquer vedação expressa de que esses efeitos alcancem uniões entre pessoas do mesmo sexo. Poderia o legislador, caso desejasse, utilizar expressão restritiva, de modo a impedir que a união entre pessoas de idêntico sexo ficasse definitivamente excluída da abrangência legal. Contudo, assim não procedeu[2].


Com efeito, da análise dos dispositivos transcritos parágrafos acima não antevejo em nenhum momento vedação ao reconhecimento de união estável de pessoas do mesmo sexo, mas, tão-somente, o fato de que os artigos citados são aplicáveis a casais do sexo oposto, ou seja, não há norma específica no ordenamento jurídico regulando a relação afetiva entre casais do mesmo sexo. Todavia, nem por isso o caso pode ficar sem solução jurídica, sendo aplicável à espécie o disposto nos arts. 4º da LICC e 126 do CPC, onde o juiz, valendo-se da analogia, pois o relacionamento regular homoafetivo, embora não configure união estável, é análado a esse instituto.

A verdade é que as relações homoafetivas são uma realidade não só no Brasil, mas no mundo, entretanto, até o presente momento, a lei brasileira não disciplina especificamente a questão concernente a tal união. Nada em nosso ordenamento jurídico regula os direitos oriundos dessa relação tão corriqueira e notória nos dias de hoje. A doutrina é unânime em considerar que não pode haver casamento entre pessoas do mesmo sexo, face à diversidade de sexos como requisito fundamental para a caracterização do casamento, assim como a forma solene e o consentimento.

Mas, no meu entender, a defesa do modelo tradicional de família não pressupõe a negação de outras formas de organização familiar, até mesmo porque, além de inexistir incompatibilidade entre a união estável entre pessoas do mesmo sexo e a união estável entre pessoas de sexos diferentes, ou entre estas e o casamento, considero que o não-reconhecimento jurídico das uniões homoafetivas não beneficia, em nenhuma medida, as uniões convencionais, tampouco promove qualquer valor constitucionalmente protegido.

Tanto é que o próprio STJ, há alguns anos, vem reconhecendo efeitos jurídicos às relações homoafetivas, precipuamente sobre os temas patrimoniais, a exemplo da partilha de bens, inclusão de companheiro como dependente, etc. Senão vejamos:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO. HOMOSSEXUAIS. HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO. COMPETÊNCIA. VARA CÍVEL. EXISTÊNCIA DE FILHO DE UMA DAS PARTES. GUARDA E RESPONSABILIDADE. IRRELEVÂNCIA. 1. A primeira condição que se impõe à existência da união estável é a dualidade de sexos. A união entre homossexuais juridicamente não existe nem pelo casamento, nem pela união estável, mas pode configurar sociedade de fato, cuja dissolução assume contornos econômicos, resultantes da divisão do patrimônio comum, com incidência do Direito das Obrigações. 2. A existência de filho de uma das integrantes da sociedade amigavelmente dissolvida, não desloca o eixo do problema para o âmbito do Direito de Família, uma vez que a guarda e responsabilidade pelo menor permanece com a mãe, constante do registro, anotando o termo de acordo apenas que, na sua falta, à outra caberá aquele munus, sem questionamento por parte dos familiares. 3. Neste caso, porque não violados os dispositivos invocados - arts. 1º e 9º da Lei 9.278 de 1996, a homologação está afeta à vara cível e não à vara de família. 4. Recurso especial não conhecido." (Resp nº 502.995/RN, Relator o Ministro FERNANDO GONÇALVES, DJ 16-05-2005, p. 353).

PROCESSO CIVIL E CIVIL - PREQUESTIONAMENTO - AUSÊNCIA - SÚMULA 282/STF - UNIÃO HOMOAFETIVA - INSCRIÇÃO DE PARCEIRO EM PLANO DE ASSISTÊNCIA MÉDICA - POSSIBILIDADE - DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO-CONFIGURADA. - Se o dispositivo legal supostamente violado não foi discutido na formação do acórdão, não se conhece do recurso especial, à míngua de prequestionamento.- A relação homoafetiva gera direitos e, analogicamente à união estável, permite a inclusão do companheiro dependente em plano de assistência médica. - O homossexual não é cidadão de segunda categoria. A opção ou condição sexual não diminui direitos e, muito menos, a dignidade da pessoa humana. - Para configuração da divergência jurisprudencial é necessário confronto analítico, para evidenciar semelhança e simetria entre os arestos confrontados. Simples transcrição de ementas não basta. (REsp 238.715/RS, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/03/2006, DJ 02/10/2006 p. 263)

E ainda aqueles que entendem que a união entre homossexuais, juridicamente, não poderia existir nem pelo casamento e nem pela união estável, mesmo assim reconhecem os efeitos jurídicos de tal relação, caso haja vida em comum, laços afetivos e divisão de despesas. Senão vejamos:

O Direito de Família tutela os direitos, obrigações, relações pessoais, econômicas e patrimoniais, a relação entre pais e filhos, o vínculo do parentesco e a dissolução da família, mas das famílias matrimonial, monoparental e concubinária. A união entre homossexuais, juridicamente, não constitui nem tem o objetivo de constituir família, porque não pode existir pelo casamento, nem pela união estável. Mas se houver vida em comum, laços afetivos e divisão de despesas, não há como se negar efeitos jurídicos à união homossexual. Presentes esses elementos, pode-se configurar uma sociedade de fato, independentemente de casamento ou união estável. [...] (THIAGO HAUPTMANN BORELLI THOMAZ, em artigo na Revista dos Tribunais 807/95


Pois bem. Na situação em comento, conforme exposto sabiamente pelo juiz na sentença de fls. 145/162, através dos documentos juntados aos autos (fls. 25/33), depoimentos testemunhais (fls. 119/120), bem como alegação da própria recorrente em diversos momentos processuais (fls. 79/82, 117/118, 130/135 e 165/172), restaram demonstradas as características típicas de entidade familiar. Isso porque, as partes do presente recurso possuíam residência em comum, convivência duradoura (mais de 10 anos) e pública, pois durante a relação envidaram esforços para manutenção da vida a dois e para a realização de projeto de vida a dois. Ou seja, dos autos facilmente se depreende que as partes passaram a ter uma vida em comum, cumprindo os deveres de mútua assistência, o que importou em obrigações e gerou direitos, típicos de qualquer entidade familiar.

Acrescente-se que, no tocante à partilha de bens, a sentença também se mostra irretocável. Tal qual restou comprovado nos autos, inclusive através do depoimento da apelante (fls. 117/118), o imóvel em que ambas residiam foi adquirido na vigência da união, com cada uma colaborando para aquisição, construção e manutenção do mesmo, configurando, dessa maneira, o esforço mútuo. Daí porque, nada mais justo que o valor referente ao imóvel – já alienado, ressalte-se (fl. 121) – seja rateado entre ambas.

Ante tudo quanto foi exposto, voto pelo não provimento do apelo para que seja mantida a sentença recorrida em todos os seus termos.

É como voto.

Sala das Sessões da Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís, 18 de dezembro de 2008.

Desembargador CLEONES CARVALHO CUNHA
RELATOR



[1] Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
[...]
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

[2] STJ. Resp. 820.475/RJ; Quarta Turma; Rel. Min. Luis Felipe Salomão; Data Julgamento: 02.09.2008)