segunda-feira, 2 de março de 2009

NULIDADE DE CASAMENTO - BIGAMIA

Processo n.º 0000/2007
Requerente: P. S.
Requerida: H. L. C.
Ação de Divórcio

Vistos etc.

Cuida-se de Ação de Divórcio, promovida por P. S., através de advogado constituído, contra H. L. C., devidamente qualificados nos autos.
Aduz o requerente que contraiu núpcias com a requerida em 06 de novembro de 1971, em regime de comunhão parcial de bens, união da qual advieram três filhos, todos maiores e capazes.

Alega que se encontram separados de fato por mais de 12(doze anos). Relata que possuem um único bem a partilhar e os bens móveis já foram partilhados segundo interesse de cada um.

Relata que não necessita de alimentos, haja vista possuir condições mínimas para seu sustento. Por fim, alega que não há possibilidade de reconciliação, razão pela qual requer a decretação do divórcio do casal.

Em contestação de fls.24/53, a requerida levantou uma questão de ordem pública, afirmando que o autor é bígamo, tendo o mesmo contraído casamento com F. A. em 27 de janeiro de 1951 na cidade de São João Batista, para comprovação do alegado juntou documento de fls.28.
Audiência de Instrução e Julgamento, às fls. 60/62, na qual foi realizada a oitiva das testemunhas.

Em sede de audiência manifestou-se o Ministério Público em fls.52/53.
Os autos vieram conclusos para deliberação.

Eis o relatório. Decido.

Compulsando os autos, verifica-se que há uma questão de ordem pública a ser analisada.

A requerida em sua contestação trouxe aos autos uma nova situação jurídica, a de que o requerente é bígamo, posto que contraiu casamento duas vezes, primeiro com F. A. em 27 de janeiro de 1951 na cidade de São João Batista e depois com a requerida em 1960.

Informação esta que foi confessada pelo autor em seu depoimento ao afirmar “que nunca se divorciou de F. A., mas que ocorreu a separação de fato desde 1954; que não encontrou documentos do primeiro casamento na Comarca de São João Batista em razão do Livro de Registro não haver sido encontrado”. (fls.61)

No caso em baila, não resta dúvidas que o segundo casamento contraído com H. L. C., é eivado de nulidade por ter sido contraído em franca desobediência aos impedimentos do casamento que determina o art 1.548 do CC[1].



Trata-se uma norma proibitiva, dirimente, aonde não há exceções, senão vejamos:

Art. 1.521. Não podem casar:
(...)
VI - as pessoas casadas;
(...)

O casamento que se realiza emanado de infração de impedimento imposto pela ordem pública, em virtude de sua ameaça à estrutura da sociedade ou pelo fato de ferir os princípios básicos em que ela se assenta, será nulo.

Entretanto é necessário analisar as condutas das partes em separado, a fim de se especificar os efeitos jurídicos decorrente dessa relação.

P. S.

É fato incontroverso, que o autor é bígamo, tendo contraído, casamento duas vezes, primeiramente com F. A. em janeiro de 1951 na Comarca de São João Batista (fls.28) e a posteriori com H. L. C. em 1960(fls.06).

Dessa forma não parece razoável cogitar a possibilidade de que o mesmo tenha agido com boa-fé, posto, ser senso comum no nosso país, independente do nível social e intelectual, que não se pode casar mais de uma vez, trata-se de uma máxima, semelhante “o de que matar é crime”.




Muito menos é plausível a possibilidade de que o autor da presente ação tenha se “esquecido “do seu matrimônio anterior, face que até os dias atuais, em seu depoimento, teceu comentário a seu respeito.

Logo, pode-se afirmar que o supracitado, não agiu de boa- fé ao casar-se com H. L. C., devendo portanto ser seu segundo casamento declarado nulo com efeitos ex-tunc, ou seja, retroativos)

H. L. C.


No que se refere à cônjuge, H. L. C., não há provas de a mesma tinha conhecimento do impedimento do Pedro dos Santos.

A boa-fé dos nubentes é presumida até prova em contrário, ou seja, é uma presunção relativa sendo de competência daquele que a nega, o ônus da prova.

Boa-fé, no caso, significa ignorância da existência de impedimentos dirimentes à união conjugal, devendo-se apurar a sua existência na celebração de casamento, sendo irrelevante eventual conhecimento da causa de invalidade posterior a ela.

No caso em concreto, não foi suscitado a má-fé da demandada quer seja pelo autor, quer seja pelo Ministério Público, de tal maneira que não pode este juízo afirmar que tinha a mesma conhecimento do matrimônio anterior.




Embora o erro de direito seja inescusável, em geral, por força do art. 3º da Lei de Introdução do Código Civil[2], pode ser invocado para justificar a boa-fé, sem que com isso se pretenda o descumprimento da lei, pois o casamento será de qualquer forma declarado nulo.

A nulidade absoluta é aquela que apresenta algum vício essencial acarretando a total ineficácia do negócio jurídico, como prevê o artigo 166 do novo Código Civil[3].

A lei, através de uma ficção e tendo em vista a boa-fé dos contraentes ou de um deles, atribui ao casamento anulável ou mesmo nulo os efeitos do casamento válido, até a data da sentença que o invalidou. Vê-se que o legislador manifestou, ao criar este instituto, o propósito de proteger os cônjuges de boa-fé e, principalmente, a sua prole.

Desta forma, o casamento putativo é aquele realizado na completa ignorância de um ou ambos os cônjuges sobre determinado fato ou circunstância que, por determinação legal, ou por tornar insuportável a vida em comum, o torne nulo ou anulável.

Casamento putativo é aquele em que os cônjuges acreditam, julgam, pensam estar casados legalmente, mas, na realidade não estão. Há neste casamento um vício que o tornará anulável ou nulo.


Etimologicamente, a palavra “Putativo” provém do verbo latino putare, que significa imaginar, presumir ser, e assim “Putativo” (do latim putativus) significa imaginário, fictício, irreal[4].

Neste particular, confiram-se as lições de PONTES DE MIRANDA [5]:
"A declaração de putatividade não é pretensão do cônjuge de boa-fé contra o outro cônjuge, nem é a ação daquele contra esse: primeiro, porque os dois podem ter estado de boa-fé e, em conseqüência disso, ser putativo, em relação a ambos, o casamento. A pretensão é ligada à instituição mesma do casamento, no que sobrevive a excepcionalidade da concessão, presa, nos casos esporádicos do direito romano, a regras de caráter individual, emanadas do Príncipe e, como teoria, às razões de ordem consciencial e de eqüidade, que pesaram no direito canônico. Titulares da pretensão e da ação são os cônjuges, ou o cônjuge, ou o defensor do matrimônio, que é parte, contra a entidade de que emana a tutela jurídica, o Estado. A pretensão de direito de família é absoluta."

E ainda prossegue:

"Tratando-se da putatividade para efeitos civis, é o estado o sujeito passivo da pretensão à declaração.

Daí decorre que, em qualquer tempo da causa de decretação da nulidade ou da anulação, é permitido levantar-se a questão da putatividade, não sendo de afastar-se a ação do cônjuge, ainda depois de proferida sentença de nulidade ou de anulação, se não foi por ele promovida a ação respectiva, nem houve aquiescência à causa (eg., confissão), para que se declare o caráter putativo do casamento. Ressalta o elemento institucional, que não se pode apagar, por certo, em matéria de casamento."

Outrossim, ainda que a requerida tenham agido de boa fé, a lei civil proíbe o casamento de pessoas que já são casadas, não podendo prevalecer o ato praticado, por eivado de nulidade absoluta.

Revela-se inequívoca a necessidade da decretação do casamento celebrado entre as partes, em 11 de dezembro de 1960 (fls. 06).

Os efeitos, em relação aos cônjuges, variam conforme estejam ambos ou um só deles de boa-fé, posto que o parágrafo 1º do artigo 1.561 dispõe que “se um dos cônjuges estava de boa-fé ao celebrar o casamento, os efeitos civis só à ele e aos filhos aproveitarão” .
Dessa forma, a sentença anulatória retroage à data do casamento, tendo efeito ex-nunc, dando eficácia como se fosse válido, até a data da sentença que declarou a nulidade ou anulabilidade matrimonial, benefício somente aproveitado pelo cônjuge de boa-fé.





DO CARÁTER REAL DA RELAÇÃO

Não obstante o casamento contraído pelas partes, seja nulo, é notório que houve um relacionamento entre os mesmos, estando presente todos os requisitos necessários para configuração da União Estável, mormente no que se refere à residência comum, convivência duradoura, pública, notória.

Constata-se também que não há nenhum impedimento legal, visto que o Código Civil é peremptório ao proibir a caracterização da União Estável quando houver impedimento matrimonial entre companheiros, salvo na hipótese de a pessoa que estiver casada se achar separada de fato ou judicialmente.[6]

Assim, restou comprovado que os requisitos da convivência e da unicidade de vínculos foram atendidos, posto que durante o casamento existente entre P. S. e F. A. há a incidência de separação de fato, de modo que se torna imperioso o reconhecimento da união estável entre Pedro dos Santos e H. L. C.

No que toca ao imóvel litigioso, há de se tecer breves considerações.



Em primeiro lugar, destaca-se que de acordo com o art. 2.035 do CC/2002:

"A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece o disposto em leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinadas forma de execução."

Em comentários ao artigo, Maria Helena Diniz afirma que "os atos e negócios jurídicos que se constituíram antes da entrada em vigor deste Código obedecerão às normas referidas no art. 2.045, tendo-se em vista que o novo diploma legal ainda não irradiou quaisquer efeitos".
Como efeito de tal disposição legal, aplica-se à divisão dos bens de União Estável constituída e caracterizada antes do advento da novel Codificação a norma que a precedia, qual seja, a Lei n. 9.278/96, que em seu art. 5º dispõe:
"Art. 5º Os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes, na constância da união estável e a título oneroso, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito.

Considerando as provas apresentadas nos autos e com base principalmente no depoimento das partes concluímos que o único ponto o qual se encontra controvertido está relacionado com a forma de divisão do único bem do casal, imóvel localizado à AV 12, 14, do conjunto habitacional Anil III.
O supracitado imóvel foi adquirido em 1970, portanto já no curso da relação da união estável do casal, que se iniciou em 1960.

Dessa forma este juízo tem o entendimento que o imóvel referido, forma o patrimônio do casal, e, portanto deverá ser dividido, a fim de evitar o enriquecimento ilícito de uma das partes[7]

O M. Público compartilha do mesmo entendimento:

“MM. Juiz ante a prova de casamento anterior do requerente e a ausência de divórcio decretada nessa união e tendo P. S. e H. L. C. constituído verdadeira união estável por longos anos, período no qual criaram os filhos e adquiriram um único bem partilhável, esta Promotoria de Justiça se manifesta seja declarado nulo o casamento de ambos nos termos do art. 166 inciso II do CC e reconhecida e dissolvida a união estével de ambos, quanto são pedido de separação

de corpos formulado pelo advogado do autor, considerando relevante os seus fundamentos e sendo recente o retorno da senhora H. L. C. para a casa da família, este órgão Ministerial se manifesta favoravelmente ao deferimento da medida de forma que seja a senhora H. L. C. compelida a deixar a residência até a venda do imóvel e sua partilha de forma igual entre os litigantes. Presente parecer foi formulado nos termos do art. 1723 do CC e do art. 888, inciso VI do CPC.

Ademais, conforme se depreende dos autos, pode-se afirmar que há uma intranqüilidade na morada do casal em tela, inclusive com a possibilidade de ocorrência de agressões físicas, posto ter a requerida após treze anos da separação do casal ter voltado para a residência ocupada pelo requerente e sua nova companheira que convive há mais de três anos.

Tal fato é merecedor de urgente observação do Juízo tendo em vista que a relação entre os três debaixo do mesmo teto é insustentável, inclusive com risco de uma iminente tragédia, situação em que é perfeitamente cabível a intervenção jurisdicional para tutelar a segurança das pessoas envolvidas.

Do exposto, de acordo com o parecer ministerial julgo improcedente o pedido para decretar o divórcio de P. S., e H. L. C., por estarem ausentes os requisitos de um casamento válido, pela infrigência do art. 1.521, inciso VI do CC.


Dessa maneira, declaro a nulidade do casamento realizado entre P. S. e H. L. C., com efeitos ex- tunc para ele, retroativo até a data da celebração e para ela com efeitos ex-nunc, retroativos até a data do trânsito em julgado desta sentença.

Em contrapartida, declaro e desconstituo a união estável existente entre P. S. e H. L. C. e o faço nos termos do artigo 1.723 do Código Civil, artigo 226, §3º da Constituição Federal e artigo 5º da Lei 9478/96, devendo para tanto e pelas razões expostas a imóvel localizado à Avenida X, nº XY, do conjunto habitacional Anil III, ser dividido entre os conviventes, igualmente, no prazo máximo de 06(seis) meses, devendo nesse ínterim a requerida desocupar o imóvel.
Expeça-se o competente Mandado.

Sem custas, face ao pedido de assistência judiciária, que ora defiro.
Após o trânsito em julgado, arquive-se com as anotações de praxe.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

São Luís, 02 de março de 2009.

José de Ribamar Castro
Juiz de Direito
1ª Vara de Família

] Art. 1.548. É nulo o casamento contraído:
I - pelo enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil;
II - por infringência de impedimento.
[2] Art., 3º Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.
[3] Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz;
II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;
III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;
IV - não revestir a forma prescrita em lei;
V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;
VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa;
VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.
[4] 27 FUGITA, Jorge Shiguemitsu, Curso de Direito Civil, Direito de Família,p. 153.
[5] PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito de Família. Vol 1."

[6] Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família
§ 1º A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente..

[7] Art. 884. do CC: Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.