quarta-feira, 14 de abril de 2010

Justiça e as Circunstancias temporais



A historiografia humana registra no decorrer dos tempos e espaços, mudanças substanciais de valores individuais, proporcionando às pessoas um novo sentir existencial, o mesmo ocorrendo com as instituições sejam elas políticas, sociais, religiosas, jurídicas, etc.

O pensar filosófico, tecnológico e cientifico apresenta nova roupagem aos problemas milenares e que a poeira do tempo tem dificuldade em precisar com exatidão seu logos originário, estando assim, a problematicidade do problema sujeita as circunstancialidades da vida.

E nesse sentir a questão Justiça não poderia ficar à margem de uma analise reflexiva sob o olhar estrutural do ontem e do hoje. Inegável, portanto, o fato da literatura jurídica em muito se referido ao juiz e a justiça.

Consideráveis são as informações, também, voltadas para um juiz ontológico, paradigmático e distante do social, mas materializado neste. E nisto as concepções pré-modernas são evidenciáveis em associarem a atividade do julgador a um entidade divina porque somente nesta estaria contida a inteligibilidade do entendimento do justo e consequentemente da justiça.

Era sem dúvida, a idéia distanciada do plano real e social que transcendeu e prevaleceu por longos períodos colocando o juiz num plano dimensional diferente do jurisdicionado e mais grave, inferiorizado.

Não é sem sentido que no consistório romano, o juiz nas audiências ficava colocado no tribunal e este não era um órgão institucional, mas o lugar mais alto do auditorium. Pensava-se à época que, naquela posição de destaque teria o magistrado uma melhor condição de aplicar à justiça, vez que seu assento ficava acima de todos. A eqüidistância não era só dos fatos, mas também física.

É provável que essa prática milenar tenha orientado as disposições das salas de audiências até certo tempo, separando os planos entre o juiz eas partes.

A modernidade preservou algumas concepções anteriores e as institucionalizou pelo primado da razão. Salvo engano, essa idéia falaciosa do poder de julgar associada a uma dimensão de superioridade, parece alimentar o ego de alguns magistrados revestidos da presunção individual e que somente as vaidades dos tolos acreditam que estejam acima do bem e do mal.

Ainda se faz presente alguma categoria utilizada nos meios jurídicos, que particularmente, entendo desnecessárias por não contribuírem em nada no conteúdo dos fatos levados a análise, como por exemplo: excelso pretório; egrégio tribunal, nobre julgador, inclito magistrado, suplicante e muitas outras. Esta última passa a idéia de um jurisdicionado em estado de desespero existencial, a suplicar a alguém um direito que se e somente se, defende como portador.

Nessa linha de raciocínio pode acreditar que historicamente essas expressões “consagraram” em parte, para um distanciamento da justiça e do jurisdicionado fazendo daquela um Poder “fechado” em relações aos demais poderes do Estado e de um acesso não tão fácil.

Resquícios dessa concepção possivelmente tenham dado motivos ao nepotismo com dimensão familiares e cartorárias em que laços de parentescos pesavam mais que a meritocracia e as relações funcionais ocorriam eficazmente entre o protegido e o protetor.

O corporativismo sentou presença como prática perniciosa e de prejuízo, repercutindo negativamente a imagem do juiz junto a coletividade. Aqui a conduta deontológica se faz por deveras necessária, vez que o juiz está sujeito a um agir ético, substancialmente alicerçada no que é denominada verdadeira deontologia da atividade profissional do magistrado.

A extensão conceitual (deontológica) se configura em caráter normativo de conduta do magistrado, suficiente ao irrestrito cumprimento ético de sua atividade funcional, objetivando zelar não só pelo seu bom nome e reputação, bem como, da instituição a que presta serviço e da comunidade a que serve no múnus estatal de distinguir a justiça na promoção do jurisdicionado.

As regras de conduta disciplinando a atividade judicante estão previstas em legislação constitucional, infraconstitucional e nas decorrentes das denominadas regras de experiência.

O perfil deontológico impõe que o comportamento do juiz deva ser de presença efetiva no local de trabalho e que os julgamentos não tenham natureza da amizade, do interesse financeiro, na advocacia paralela, no interesse político e na subserviência funcional fruto de apadrinhamentos e amadrinhamentos em que o preço do comprometimento moral do juiz é altíssimo e impagável.

A assertiva acima, produz sem dúvida, não só para macular e desacreditar a justiça como se constitui em instrumento de injustiça ao jurisdicional. É notório as partes buscarem saber para qual magistrado sua petição foi distribuída, implicando em seguida avalanches de pedidos e recomendações. A dedução que se impõe é que ou a não justiça é uma prática corriqueira, ou que o processo deflui injetado, ou que a justiça é inconfiável.

O “olhar com carinho” já se tornou ato mais que ridículo. O olhar nesse sentido é julgar com vontade, com sentimento, diferente, portanto do julgar com discernimento que busca verdade que é.

Foi talvez assim pensando que, o Padre Antonio Vieira, no Sermão da Segunda Domingada do Advento, proferiu as seguintes palavras magistrais:
Deus permite as injustiças no mundo para a inocência ter coroa e a imortalidade, prova.
O juízo dos homens é mais temeroso que o juízo de Deus. Quem primeiro entendeu essa verdade foi o profeta David, quando disse: ´Senhor, julgai-me vós e decidi a minha causa´. Mais adiante, acrescentou David: ´Julgai-me vós, Senhor, livrai-me de me julgarem os homens´.
Cinco razões demonstram ser o juízo dos homens mais temeroso que o juízo de Deus:
1ª) Deus julga com o entendimento, os homens julgam com a vontade (o entendimento acha o que há, a vontade acha o que quer). Em Deus, o entendimento julga, a vontade dá; nos homens, a vontade serve para dar e serve para julgar. Pilatos declarou a inocência de Cristo e devolveu as acusações ao juízo da vontade de Caifás. Como Cristo foi julgado no juízo de vontade, logo Lhe acharam causa para O crucificar;
2ª) no juízo de Deus geralmente basta só o testemunho da própria consciência, no juízo dos homens a própria consciência não vale como testemunha. Os homens vêem só os exteriores, porém Deus penetra os corações. José era inocente e a egípcia, a culpada. Mas a culpada mostrava os indícios na capa, e o inocente tinha as defesas no coração. Ela então triunfou e ele padeceu;
3ª) no juízo de Deus as nossas boas obras defendem-nos, no juízo dos homens o maior inimigo são as nossas boas obras (um grande delito muitas vezes acha piedade, mas um grande merecimento nunca lhe falta a inveja); Saul condenou tantas vezes David à morte, porque se cantava nas ruas de Jerusalém ser David mais valente que Saul, pois David tirou o prêmio de matar um grande gigante com uma pedra;
4ª) Deus julga os pensamentos, mas os conhece, os homens não podem conhecer os pensamentos, mas os julgam (nunca passou pelo pensamento de José atrever-se à honra de seu senhor);
5ª) Deus não julga senão no fim, os homens não esperam pelo fim para julgar. Embora conhecendo os futuros, Deus jamais julgou nem condenou a ninguém senão depois das obras. Para o juízo de Deus, a certeza do futuro não basta para o castigo e basta a emenda do passado para o perdão.
Padre Antônio Vieira in ´Sermão da segunda dominga do advento´ (Sermões – volume I. Porto - Portugal: Lello & Irmão Ed., 1959, p. I/159).
Por outra via, o exercício democrático é essencial no questionamento da justiça, vez que a proposta teleológica é garantir a atividade de representação na vida pública e administrativa, o que não tem ocorrido na práxis do judiciário brasileiro.

Os cargos de direção têm sido ocupados não por vontade da maioria, mas por escolha de poucos que vão dirigir a todos, ou seja, alguns escolhem poucos que vão dirigir a muitos. A maioria é alijada do processo. É sem dúvida a contra-senso democrático e princípios representatividade são maculados em sua essencialidade.

Por outra via, pesquisas tem demonstrado pouca confiabilidade do Judiciário em relação a outras instituições e, nisto a autolimitação e a heterolimitação como regras de convivência tem sido instrumentos mais eficazes que os controles jurídicos, portanto algo de sintomático vem ocorrendo no âmbito da justiça.

Nos últimos tempos a justiça vem sendo bastante criticada de maneira direta, principalmente pelos meios de comunicação de massa, em face de medidas tomadas contra o abuso e desvio de função de magistrados resultado de decisões tomadas pelo Conselho Nacional de Justiça, após apuração das reclamações das partes.

Na verdade alguma coisa está a exigir mudanças no seio da justiça ou de ordem conjuntural, estrutural ou até mesmo de mentalidade no sentido de uma conscientização de que a excelência por excelência, não é o magistrado, mas o jurisdicionado a que deve servir e paga o seu salário.

2 comentários:

Waldy Ferreira disse...

Rpofessor Castro,
parabéns pelo artigo. Ouvi-lo falar de forma clara e objetiva sobre um assunto tão recorrente renova sempre as esperanças daqueles que não só esperam, mas lutam por um sistema judiciário mais transparente.

Unknown disse...

Os votos de cinceridade não tem preço,pois esse mérito é dado a quem DEUS nomeou como um profissional que alem de suas qualidades temos como referência o melhor que vem apresentando,parabéns pelo conteúdo do blog.