segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Aula da Saudade

Senhores Professores
Senhores Pais
Senhores e Senhoras
Caríssimos concludentes.
Aula da Saudade proferida na conclusão da primeira turma de Direito do CEST.

Não nego o quanto me comove este momento, porque se trata de uma aula diferente da formalmente proferida – é uma aula da saudade.

Portanto esta aula não só cumpre uma tradição na vida acadêmica, como efetiva com certeza o rompimento do elo existente entre o professor e o aluno, o aluno e o curso de Direito, tempo e espaço que não mais de repetirão em nossas caminhadas.

Hoje vocês deixam de ser turma para ser Valdir, Alessandra e Marina. De hoje em diante a noção de turma é o próprio sentido que a Faculdade Santa Terezinha – CEST – conferiu a vida de vocês, e ao longo desses anos,estará guardado para sempre na memória de cada um.

E esta memória ficará adormecida até o momento em que a saudade provocar a inquietação da lembrança.

A saudade é a celebração de um conjunto de valores que enobrecerá a cada um, que relação aquilo que vocês mesmo construíram.

Sentir saudade é reviver a academia em forma de aprendizado, pois saudade é acima de tudo, o resultado de uma experiência.

A saudade nos faz refletir e, sobretudo, sentir com mais vigor a presença de uma ausência.

Podemos comparar a saudade como uma máquina do tempo, pois nos possibilita navegar no tempo, o tempo que quisermo.

Esta aula nos faz relembrar um longo e agradável convívio, aqui alimentado durante um período do de cinco anos e que, agora, exigência de circunstâncias profissionais de cada um, nos proporciona uma despedida.

E como toda despedida, entre os que sinceramente se estimam e consideram, é difícil para quem parte e sem sombra de dúvida se torna angustiante para quem fica.

Em tempo bem próximo todos vocês estarão envolvidos e empenhados na busca de realização pessoal e jovens como são, logo a saudade será diluída, levada principalmente pelos compromissos profissionais a serem assumidos.

E invoco para que sintam saudade, pois ela é, de agora por diante o elo que os manterá presente, embora ausentes desde espaço acadêmico.

Assim, quando o momento exigir conhecimento em: Sociologia, Direito Constitucional, Penal, Civil, Tributário, Trabalho, etc, a saudade vai fazer lembrar as aulas dos professores que tiveram.

Mas essa saudade só trará aquilo que cada um dar a si mesmo. Nesse sentido lembrarar, até o perfil de cada professor – aquele atencioso; o descontraído; o que tinha mania de limpeza nas provas; o mais chato; o que não gostava de ministrar aula e por aí afora.

Lembrarão os colegas,aqueles esforçados; os que pouco assistiam aulas; os que gostavam da pesca; os que não faziam os trabalhos de equipe mas colocava sua assinatura; o CDF etc.

Recordarão a ansiedade dos primeiros períodos, as dificuldades nas disciplinas iniciais, o longo percurso como desbravadores da primeira turma do curso de Direito na Instituição, enfrentando todos os obstáculos surgidos, até mesmo os experimentais, abrindo a vereda para as turmas subseqüentes e finalmente, o íntimo e amigável convívio nos estudos do Direito.

A saudade é um bem particular cheio de sentido coletivo.

A saudade indiscutivelmente está sempre voltada para o passado e como dizia Rui Barbosa os moços não tem passado, mas somente o futuro. Por essa razão é que ser jovem é viver de esperança.

Assim, asseverou o poeta Julio Dantas:

“Olhemos para traz, lembremos-nos da vida.
A saudade do que foi é uma estada florida”

Pois meus queridos formandos como poderia falar de saudade sem buscar guarida nos poetas? Quem melhor que eles, poderia traduzir este sentimento?

Entendo necessário escutar Bastos Tigre, sobre saudade – ouçamo-lo:

Saudade – palavra doce,
Que traduz tango amargor,
Saudade – é como se fosse
Espinho cheirando a flor.

Saudade – ventura ausente,
Um bem que longe se vê,
Uma dor que o peito sente,
Sem saber como e porquê.

Um desejo de estar perto,
De quem está longe de nós;
Um ai, que não sei ao certo
Se é um suspiro ou uma voz.

U sorriso de tristeza,
Um soluço de alegria,
O suplício da incerteza
Que uma esperança alivia.

Nessas três sílabas há de
Caber toda uma canção,
Bendita a dor da saudade
Que faz bem ao coração.


Um longo olhar que se lança
Numa carta ou numa flor;
Saudade, irmã da esperança,
Saudade, filha do amor.

Uma palavra tão breve,
Mas tão longe de sentir!
E há tanta gente que há escreve
E a não saber traduzir.

Gosto amargo de infelizes
Foi como a chamou Garret;
Coração calado, dizes
Num suspiro o que ela é.

A palavra é bem pequena,
Mas diz tanto, de uma vez!
Por ela valeu a pena
Inventar-se o português

Saudade – um suspiro, uma ânsia,
Uma vontade de ver
A quem nos vê, a distância,
Com olhos de bem querer.

A saudade é calculada,
Por algarismo também:
Distância multiplicada,
Pelo fator – querer bem.

A alma gela-se de tédio,
Enchem-se os olhos de ardor.
Saudade – dor que é remédio
Remédio que aumenta a dor!.


Vazio e sem menor sentido seria o nosso trabalho, se aqui fossemos pensar, refletir sobre a saudade, procurando-lhe sentido racional.

Esta via do saber voces fizeram ao longo do curso, e em procedendo dessa forma, estaríamos, com certeza, esvaziando o seu conteúdo efetivo, porque saudade não é para ser pensada, mas sentida.

Saudade pertence ao contexto dos sentimentos, ao recôndito do coração, e não ao universo da razão, da inteligência.

A partir de agora a saudade, ao longo dos anos, fará indiscutivelmente, hospedagem no coração de cada um de voces e a acompanhará por toda a vida.

Agora, com certeza, terão saudade da vida acadêmica, dos estudos, das pesquisas, das provas, das salas de aulas, dos professores, das amizades estreitadas.

Amanhã, um novo dia, um novo horizonte, então, quando a construção afetiva estiver enriquecida de tantas saudades, será agradável recordar.

É natural que nossos costumes racionalistas colocam obstáculos, quase sempre, de aceitar as verdades do coração ou a verdade afetiva, uma como adequação dos nossos sentimentos justamente nas coisas que nos afetam e que nos sensibilizam.

De certo são como duas paralelas ( o racional e o afetivo) dentro do nosso universo interior. E simplesmente não podemos a prima facae, afirmar qual dos das duas ( se a da inteligência ou dos sentimentos) é o mas verdadeira.

Se estes dois mundo por acaso se opõem, fica criado o dilema – se vamos seguir os ditames da inteligência ou a trilha do sentimento?.

São duas vias diferentes e que nos levam a mundos diferentes: um conquistado pela razão; outro, afetivo, que nos amarra as nossas origens.

Durante os anos que voces percorreram os corredores do CEST e do Direito incessantemente, a verdade e a Justiça, múltipla e fugidia, a concorrência complexa dos diferentes pontos de vista de cada Professor, uma verdade construída pelas pessoas, que faz remontar o primórdios da cultura clássica, quando, por exemplo, Pitágoras afirmava que o “homem era medida de todas as cousas

É evidente, o conhecimento da ciência do Direito sempre como produção do homem; portanto revisível e perfectível: interpreta hoje e agora uma realidade, que será reinterpretada melhor amanhã.

Assim, não podemos fugir a essa determinante fatalidade: a da relatividade dos nossos conhecimentos e da efemeridade de nossas construções científicas.

É irrefutável o fato de que as verdades estabelecidas mudam ao longo do tempo e do espaço; a verdade de hoje foi posta em questionamento, ou a heresia, de ontem e, amanhã; será nossa imperdoável ignorância.

O jurista principalmente, precisa ter sempre presente na consciência a fragilidade do que é o homem e do que individualmente pode; somente o esforço compartilhado por todos, por meio de sucessivas gerações de pensadores, conseguiu elevá-lo ao status de cultua de que ora se presencia.

O conhecimento independente de qualquer refutação é produção social: em que o indivíduo acumula e sistematiza os dados pretéritos e repassa as gerações mais jovens o seu contributo.

Originariamente é o homem individuado como ser gregário levado pela própria fragilidade, a conviver ao lado do seu semelhante: a convivência lhe é um imperativo natural; não teria condições de sobreviver, senão convivendo, solidarizando-se com os demais homens contra as intempéries comuns.

Não se pode negar que toda convivência exige um disciplinarmente, que não se coloca apenas extrinsecamente, ou seja, de fora para dentro, mas também intrinsecamente, como maneira interior e necessária da própria convivência.

Vê-se, portanto, a raiz dos disciplinamentos sociais, dentre eles sobressaem os de ordem moral e jurídica, cujo a análise voces terminaram de efetivar com a passagem da potencialidade ao ato, alcançando assim, o gáudio com a conclusão do curso de Filosofia e Direito.

Desnecessário mostrar a voces a importância do Direito. Entretanto não custa lembrar-lhes que o problema jurídico é o problema humano por excelência: dele queiramos ou não todos dependemos, sem ele o existencial se torna vazio.

A ciência renovam o pensamento – as idéias, as crenças, as teorias, como o Direito renova a conduta social.

Tudo isto ocorre dentro do contexto da dinamicidade, da crítica da realidade posta, como alguma coisa em processo de devenir, ao novo conhecimento negando, dialeticamente, o conhecimento pretérito, como o novo Direito será a negação do velho Direito.

Negação esta, que é na verdade, uma superação e, por via de conseqüência, um aperfeiçoamento do processo jurídico do ajustamento social.

A função dos sistemas jurídicos, que são sistemas lógicos, é a de demonstrar realidades da vida, buscando a harmonização e adaptação do homem a vida social, numa incessante luta de ajustar interesses individuais e coletivos.

Senhores concludente.

Vivenciamos hoje um momento bastante significativo na vida política e democrática do Brasil em que se misturam dúvidas, incertezas e esperanças, mas um consolo acalma a todos, é o da concepção que o povo é o senhor das decisões democráticas e sem democracia não há liberdade efetiva, principalmente se não estiver assentada uma ordem política ética e uma ordem jurídica legitima.

Assim, asseverara Rui Barbosa em sua obra a “dialética iluminada dos convencidos e reformadores”:

"As constituições são conseqüências das irresistíveis evolução econômica do mundo. As nossas constituições tem ainda por norma as declarações de direitos consagradas no século XVIII. Suas formulas já não correspondem exatamente à consciência jurídica do universo. A inflexibilidade individual dessas cartas, imortais, mas não imutáveis, alguma cousa tem de ceder ao sopro da socialização que agita o mundo”.

Senhores concludentes.

O momento politico-social-jurídico está a exigir de cada um de nós uma atitude profissional deôntica, principalmente na administração pública, no sentido de consolidar e elidir os intercorrente desajustamentos, econômicos, sociais e morais, conseqüentes de uma desvaloração da pessoa, com propósitos direcionados de coisificá-la.

É necessário um nivelamento das condições sociais a fim de evitar o fosso cada vez maior entre pobres e ricos e amenizar as injustiças e assegurar os princípios fundamentais consagradas na constituição.

Aqui não se trata de uma pobreza evangélica, mas antievangélica, que é sinônimo de exploração, de opressão, de situação desumana. Trata-se da pobreza de dimensão sócio-politico-moral e jurídica, isto é, generalizada e estrutural.

O profissional da ciência Jurídica não pode fazer desta realidade ouvido de mercador, porque está a ferir de morte o juramento profissional assumido.

Temos acima de qualquer cousa uma responsabilidade comunitária, a esperar por cada um dos senhores e senhoras, uma resposta efetiva e regada de esperança. Não podemos deixar de responder a aqueles que precisam do nosso socorro profissional.

Nessa linha de raciocínio busco achegas nos ensinamentos do Pe. Antonio Vieira Ravasco, quando assim afirmou:

“É coisa tão natural o responder , que até os penhascos duros respondem, e, para as vozes têm ecos. Pelo contrário é tão grande violência não responder, que os que nasceram mudos fez a natureza também surdos, porque se ouvissem e não pudessem responder, rebentariam de dor

O não responder, também, em matéria de direito processual gera tão “grande violência” que resulta não só na revelia, mas num cenário de prejuízos a parte e a conseqüência de ser admitida como verdadeiro o que foi aduzido faticamente pelo autor.

O operário do Direito não pode esquecer que a reciclagem nos estudos é condição sine qua non para atualização dos conhecimentos e evitar que se venha desfazer no tempo o que foi aprendido porque a meta teleológica a Justiça.

E como afirmara Eduardo Contoure, jurista uruguaio, em seu decálogo do Advogado, universalmente conhecido, no artigo 4 que: quando o direito se confrontar com a justiça lute por esta.

Sem o aprimoramento devido da inteligência, com certeza nos leva a um retrocesso intelectual, ao ponte de não se poder distinguir o que é ignorância e o que é erro.
Volto assim, a exemplificar mais uma vez, o Pe. Viera, quando faz referência a cura do cego em Betsaída:

“Pôs o Senhor a mão nos olhos a este cego, e perguntou-lhe se via. Olhou ele, e disse: Video hominis, velut arbores ambulantes. Senhor, vejo os homens como árvores que andam de uma parte a outra”.

Conclui-se que: quando o cego passou a ver os homens como árvores estava mais cego do que quando nada via. Portanto, a cegueira mais grave não é a de não saber da justiça, mas a de não querer vê-la.

Senhores, o bom senso me diz que não devo mais tomar-lhes o tempo, entretanto, entendo ser necessário deixar uma recomendação se assim me permitirem.
Amanhã estarão trilhando por novos caminhos, após a colação de grau. Alguns estarão em sala de aula, direção de colégios, juizes, promotores, advogados e na administração pública.

Por onde estiverem, encontrarão com certeza, no exercício da profissão a passagem por duras provas. Não tenha o menor receio em afirmar que voces as vencerão com grandeza, principalmente se cultivarem as virtudes, sem menosprezo das demais, da coragem, honestidade e competência.

Sem a coragem para quando necessário e oportuno, contrariar interesses, ignorar conveniência pessoais, para se contrapor aos fortes, para não ceder as injunções políticas, de nada valerá a honestidade e a competência.

Esta, mais que em qualquer outro, não pode faltar no magistrado. O que seria dos direitos dos menos afortunados e desprovidos de recursos se não fosse o destemor moral do Juiz.

Rui Barbosa em mais uma feliz passagem afirmara:

“O bom ladrão salvou-se, mas não há salvação para o juiz covarde”.

Portanto meus caros concludentes, livrai-vos da desonestidade profissional que tanto tem desarticulado os alicerces do relevante papel da justiça social e moral.

Se não foram aplaudidos mas terão a íntima satisfação não haverem traído a suas convicções, maculada a suas dignidade e traído os seus ideais.

Creio que está esgotado o tempo de nossa aula. Só me reta então, vê-los partir na caminhada de novos horizontes.

E como professor fico a guardar no coração a saudade da convivência de vários anos e levo comigo a doce ilusão de que amanhã, as salas de aula estarão iluminadas com o calor da inteligência aqui deixado por cada um de voces.

Portanto, em nome da saudade desejo a todos um forte abraço de saudade.

Obrigado.





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