sábado, 18 de agosto de 2007

Ação Homoafetiva

Processo nº.


DESPACHO

Analisando o presente feito verifica-se que se trata de Ação de Dissolução de Sociedade de Fato, proposta por Maria contra Raimunda, em razão do fim da Sociedade Homoafetiva que mantiveram por aproximadamente de 18 anos.

Impede registrar que além de discriminados socialmente, os relacionamentos homossexuais são vítimas da omissão legislativa. Em que pese as escassas decisões acerca da matéria, a família homoafetiva não encontra amparo legal. A título de exemplo, não há regramento específico sobre a competência para o julgamento de ações dessa natureza, divergindo doutrina e jurisprudência quanto à competência da vara cível ou da vara da família.

Em qualquer caso, o que não se pode é negar direitos, nem dar tratamento diferenciado sob a justificativa de que não há regra jurídica. Há que se lembrar que a própria lei reconhece a existência de lacunas no sistema legal, o que não autoriza a omissão do juiz. A determinação é de que julgue, utilizando a analogia, costumes e princípios gerais do direito (art. 4º LICC). E esse caso específico encontra guarida também nos princípios constitucionais que impõem respeito à dignidade, à liberdade e à igualdade.

É notório que as regras do Direito de Família são as que mais se aproximam das uniões homoafetivas, uma vez que possuem a mesma origem, o vínculo afetivo. Nessas relações, tais quais em qualquer relacionamento heterossexual, há comunhão de vida e responsabilidades recíprocas, não cabendo ao magistrado julgar as opções de vida das partes, sob pena de se chegar a um resultado aético, preconceituoso e propagador de sérias injustiças.
Por esses argumentos é que tais ações devem ser distribuídas às Varas da Família, pois decorrem exclusivamente do vínculo afetivo, não se justificando a busca de outros ramos do Direito. Ademais, as Varas da Família têm competência específica para as matérias que envolvem a entidade familiar em geral, não havendo razão para que causas tão afins sejam delegadas às varas cíveis, somente em razão da opção sexual dos demandantes. Assim, preenchidos os requisitos caracterizadores da entidade familiar, competente é o Juízo da Família para processar e julgar referidos feitos.

Tais argumentos não são isolados. Já há julgados sobre a competência dos juizados especiais da família para apreciar as uniões homoafetivas, senão vejamos:

Relações Homossexuais. Competência para julgamento de separação de sociedade de fato de casais formados por pessoas do mesmo sexo. Em se tratando de situações que envolvem relações de afeto, mostra-se competente para o julgamento da causa uma das varas de família, à semelhança das separações ocorridas entre casais heterossexuais. Agravo provido. (TJRS – AI 599 075 496 – 8ª C. Civ – Rela Dês. Breno Moreira Mussi).

Em outras oportunidades, a jurisprudência pátria tem se manifestado favorável ao reconhecimento de casais homossexuais como entidade familiar. Recente decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (Ap. Civ 70013801592, de 05/04/2006) considerou um casal formado por mulheres, como entidade familiar, com o fito, inclusive, de adoção de infantes. Outros ramos do direito, menos afetos à família, caminham na mesma direção, como o previdenciário (instrução normativa nº 25/2000, que assegura auxílio por morte e auxílio reclusão para o companheiro homossexual); o internacional (concessão de visto de permanências ao parceiro estrangeiro que vivia em união homoafetiva com brasileiro); e o eleitoral (inelegibilidade nas uniões homossexuais – TSE Resp Eleitoral nº 24564, j. 01/10/2004).

Importante ressaltar que, se enquadradas apenas no âmbito obrigacional, negam-se direitos às famílias homossexuais, tais como: o direito real de habitação, direitos sucessórios, direito à meação, aos alimentos e outros que só existem no Direito de Família. Pertinente é o ensinamento da Desembargadora Maria Berenice Dias ao afirmar que:

Inconteste que o relacionamento homoafetivo é um fato social que se perpetua através dos séculos, não pode mais o Judiciário se olvidar de prestar a tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo afeto, assumem feição de família. A união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não a diversidade de sexo. E, antes disso, é o afeto a mais pura exteriorização do ser e do viver, de forma que a marginalização das relações mantidas entre pessoas do mesmo sexo constitui forma de privação do direito à vida, em atitude manifestamente preconceituosa e discriminatória. Deixemos de lado as aparências e vejamos a essência.

No caso em tela, incontestável é o vínculo afetivo, característico das entidades familiares. Observam-se, ainda que am passant, os requisitos da afetividade, estabilidade e ostensividade. Constam dos autos fotos, cartões e outros documentos que dão conta do forte relacionamento havido entre ambas (fls. 25/32), o que demonstra o objetivo de formação de uma família em comum.

Diante do exposto, deixo de acolher o parecer ministerial e, em face dos argumentos expostos, determino o prosseguimento do feito neste Juízo de Família.

Notifique-se.

São Luís, 11 de setembro de 2006.

José de Ribamar Castro
Juiz de Direito

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