sábado, 11 de agosto de 2007

Exoneração de alimentos de pessoa idosa

Processo n.º
Requerente: J. F.
Requerido: B. N
Ação de Exoneração de pensão alimentícia de pessoa idosa.


Vistos etc.


Cuida-se de Ação de Exoneração de Pensão Alimentícia, proposta por J. F, por intermédio de advogado constituído, contra B. N., devidamente qualificados nos autos.

Aduz o requerente que foi condenado, através de sentença proferida por este Juízo, a prestar alimentos a sua ex-cônjuge no valor de 17,5% (dezessete e meio por cento) de seus rendimentos, descontados em folha de pagamento e que, até a presente data, vem cumprindo com a sua obrigação alimentar, estabelecida há mais de 30 (trinta) anos. Esclarece que a requerida percebe aposentadoria há alguns anos, com renda bruta de aproximadamente R$ 2.200,00 (dois mil e duzentos reais), possuindo, portanto, meios de prover a própria sobrevivência.

Informa ainda que constituiu nova família, com 02 (dois) filhos ainda menores, além de que presta auxílio econômico-financeiro a mais 03 (três) pessoas, razão pela qual requer a exoneração do referido encargo, eis que também teve seu rendimento reduzido com sua aposentadoria.

A inicial veio instruída com os documentos de fls. 10/37.
Devidamente citada, a requerida apresentou contestação e documentos às fls.

Réplica e documentos às fls.

Audiência de conciliação à fl. 118, na qual não foi possível a conciliação e sendo desnecessária a designação de audiência de Instrução e Julgamento – eis que se trata de matéria de direito – foi concedido prazo para apresentação de memoriais em 10 (dez) dias.
Razões finais do requerente às fls. 120/122 e da requerida às fls. 124/144.

Instada a se manifestar, a representante do Ministério Público opinou pelo deferimento do pedido, conforme parecer de fls. 146/152.
É o relatório. Decido.

Da preliminar de litispendência

Inicialmente, há que se ressaltar que a sentença de alimentos não transita em julgado, ficando, assim, sempre sujeita à modificação pela via judicial própria, desde atendidos os requisitos legais, nos termos do artigo 15 da Lei 5.478/68 c/c 1.699 do Código Civil.
Em análise dos autos, verifica-se que o requerente já postulou, anteriormente, revisão de alimentos, sendo-lhe prolatada sentença favorável que reduziu o percentual anteriormente arbitrado de 35% (trinta e cinco por cento) para 17,5% (dezessete e meio por cento), conforme se vê dos documentos de fls. 11/16 e dos autos em apenso.

Como já dito, entendendo preenchidos os requisitos legais, pode o requerente, a qualquer tempo e independentemente de postulação anterior, ingressar com novos pedidos de revisão ou exoneração, razão pela qual não merece acolhida a alegação de litispendência aduzida pela requerida.

Portanto, não há que se falar em litispendência, tendo em vista que o processo já encontra-se sentenciado, nem em coisa julgada, haja vista o disposto nos dispositivos supracitados.

Do mérito

Convém destacar, a priori, que do casamento - relação de mútua convivência - advêm importantes conseqüências, ressalte-se, essenciais à própria sobrevivência da família conjugal. Dentre elas, grande parte elencada no artigo 1.566[1] do Código Civil, se destaca, por apropriado, o dever de mútua assistência.

Tão sólida é tal obrigação que a dissolução da sociedade conjugal não tem o condão, por si só, de elidir referida imposição. O divórcio e a separação, portanto, não significam a ruptura completa da relação iniciada no casamento. Ao contrário, para Cunha Gonçalves[2] “(...) o casamento não se dissolve completamente mesmo para o futuro; ficam dele, sempre importantes resíduos jurídicos.”

Decerto que, não é demasiado afirmar que o dever de mútua assistência existente entre os cônjuges se materializa no encargo alimentar. Tal imposição funda-se na obrigação de que dentro de cada unidade familiar existe um vínculo que faz com que todos os integrantes tenham o dever de ajudar um ao outro numa eventual necessidade, eis que alimentar concerne à própria vida e à subsistência das pessoas.

Os motivos que impõem o dever de sustentar os parentes e dar assistência ao cônjuge transcendem as simples justificativas morais ou sentimentais, encontrando sua origem no próprio direito natural. É essencial ao ser humano a inclinação para prestar ajuda, socorro e sustento.

A concepção de alimentos, diferentemente da idéia havida anteriormente - segundo a qual os alimentos possuíam cunho indenizatório, decorrente da culpa pelo fim da relação conjugal - tem atualmente caráter sustentatório, auxiliativo, decorrente da própria sobrevivência. Por isso, a ninguém, senão por fortes motivos, é dado isentar-se deste encargo.

Depreende-se dos autos que o requerente almeja ver-se exonerado do percentual de 17,5% (dezessete por cento) de seus rendimentos, pagos atualmente à requerida a título de alimentos e o faz sob a alegação de alteração em sua realidade fática.

Com efeito, a exoneração de alimentos é regulada, dentre outros dispositivos, pelos artigos 1694[3], §1º e 1.699[4] do Código Civil e desde que atendidos os requisitos prescritos, quais sejam: a necessidade do alimentado e a possibilidade do alimentante é perfeitamente viável.

Trata-se da chamada proporcionalidade alimentar, que para J. F. Basílio de Oliveira[5] “constitui o pilar onde se assentam as fixações do encargo alimentar, ao preconizar o binômio possibilidade do alimentante e necessidade do alimentário.”
Contudo, acredita-se que o deslinde de qualquer feito deve partir sempre da situação prática. In casu, verifica-se realmente que houve mudanças na realidade fática do requerente. Há de se analisar, porém, se tais mudanças devem impor a exoneração do encargo alimentar.
Vejamos seus argumentos.

A constituição de uma nova família, argumento fortemente sustentado pelo requerente, não pode ser capaz de exonerar a obrigação alimentar previamente acordada, porque estabelecida após o divórcio com a requerida, ou seja, ao iniciá-la, já sabia o requerente do encargo anterior (art. 1.709 CC[6]). Ademais, o novo casamento do requerente iniciou-se há mais 10 (dez) anos, razão pela qual não há alteração fática que já não tenha sido suprimida pelo requerente, dada a longevidade desse relacionamento.

Outro argumento diz respeito à redução de seus proventos de aposentadoria, estes concedidos à proporção de 76% (setenta e seis por cento) da média dos últimos meses de trabalho. Ocorre que, conforme alegado pelo próprio requerente, este possui um empreendimento rural de 4,2 hectares, capaz de suprir as necessidades de sua família, que não fica a mercê do seu salário de bancário. A requerida, ao contrário, além da pensão que percebe, supre suas necessidades com uma aposentadoria de R$ 988,40 (novecentos e oitenta e oito reais e quarenta centavos), incapaz por si só, de atender às necessidades de alguém acostumado a um padrão de vida que se prolonga há 30 (trinta) anos.
Verifica-se, portanto, que não é o valor da pensão alimentícia prestada (R$ 1.750,14) que dará ao requerente maiores condições de vida, ou ainda, não se trata de encargo capaz de onerá-lo a ponto de desfalque à sua sobrevivência ou de sua família. Quanto à requerida, ocorre o inverso, tal pensionamento, já percebido há mais de 30 (trinta) anos, é essencial à sobrevivência, como demonstram os documentos acostado aos autos.

No tocante às dívidas alegadas pelo requerente, não há que se atribuí-las tão somente à requerida, pois se por sua exclusiva culpa se devessem tais dívidas, já teria o requerente, há mais tempo, litigado pela exoneração. Se não o fez é porque pôde viver de tal forma.
Não há, nesse caso, qualquer alteração fática que não tenha sido causada pelo próprio requerente, eis que o encargo alimentar é deveras anterior a qualquer dessas justificativas. Portanto, o fato de ter a renda onerada com o pagamento de dívidas não constitui situação nova, nem provoca qualquer alteração nas condições financeiras do alimentante. A jurisprudência pátria é harmônica nesse sentido, senão vejamos:

Apelação Cível. Ação Revisional de Alimentos. Dividas contraídas voluntariamente pelo alimentante. Alteração do binômio necessidades do alimentando/possibilidades do alimentante inocorrente. Para se justificar a redução da verba alimentar, cumpre seja provado que houve alteração substancial do binômio necessidades do alimentante. Dívidas contraídas voluntariamente pelo alimentante, embora possam ser causa das dificuldades financeiras deste, não justificam a pretensão de impor ao alimentado o pagamento de tais débitos, reduzindo os alimentos. Prova insuficiente do alegado impõe a improcedência do pedido redutório. recurso não-provido. (apelação cível n.º 598500502, oitava câmara cível, tribunal de justiça do RS, relator: Alzir Felippe Schmitz, julgado em 20/05/1999)

Por outro lado, a requerida mantém o mesmo padrão de vida há mais 30 (trinta anos) e constituindo o objetivo dos alimentos, desde a separação, na manutenção de suas despesas tal qual existiam à época do casamento, não é agora, que conta com 56 (cinqüenta e seis) anos de idade, praticamente inapta ao mercado de trabalho que lhe será retirado tal benefício.

Outrossim, no tempo em que se deu o casamento, na década de 60, os matrimônios, em geral, que não contavam com a colaboração da mulher para as despesas do casal. Esta, por seu turno, na maioria das ocasiões, prestava-se a prendas domésticas, ficando totalmente despreparada para o mercado de trabalho, dependendo integralmente do marido, sendo injusto retirar-lhe tal benefício no momento da separação.

Assim, não pode prosperar o pedido de exoneração do encargo alimentar, eis que essencial às necessidades da requerida, evocando-se, no presente caso o princípio da proporcionalidade.

Repise-se que, a sentença de alimentos não transita como coisa julgada material, ficando, assim, sempre sujeita à modificação pela via judicial própria, dês que atendidos os requisitos exigidos em lei.

Diante do exposto, com fulcro no artigo 1699 do Código Civil, julgo improcendente o pedido de exoneração de pensão alimentícia proposto por J. F. para que continue pagando o percentual de 17,5% de seus rendimentos integrais, excetuados os descontos legais, a B. N, por ser medida de inteira justiça.

Condeno ainda o requerente ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios no valor de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

São Luís, 26 de julho de 2007.

José de Ribamar Castro
Juiz de Direito
1ª Vara de Família

[1] Art. 1566. São deveres de ambos os cônjuges:
I - fidelidade recíproca;
II - vida em comum, no domicílio conjugal;
III - mútua assistência;
IV - sustento, guarda e educação dos filhos;
V - respeito e consideração mútuos.
[2] Gonçalves, Cunha. Tratado de Direito Civil. Vol VII, pg. 07. Max Limonad, São Paulo.
[3] Art. 1.694 (...)
§ 1º Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.
[4] Art. 1.699. Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo.
[5] Alimentos: Revisão e Exoneração. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004, p. 133.
[6] Art. 1.709. O novo casamento do cônjuge devedor não extingue a obrigação constante da sentença de divórcio.

Um comentário:

joao pinheiro disse...

DR. JOSÉ DE RIBAMAR, BOA NOITE!
PARABÉNS PELO JULGADO. ME FOI MUITO ÚTIL PARA DEFENDER UM CASO IDÊNTICO.
FIQUEI CONTENTE DE SABER DA SUA NATURALIDADE: PINHEIRO. TERRA DO MEU PAI.
CORDIAIS SAUDAÇÕES
JOAO PINHEIRO
SÃO LOURENÇO-MINAS GERAIS
joaopinheiroadvogado@yahoo.com.br